Por

Claudio Caterinque

Repórter

“É por justiça!” Este é o único pensamento que conforta a mente da professora Alessandra Ferreira Marcelino depois de ter perdida a filha no que acredita ser um crime. Ela acusa o falso médico preso em São Mateus pela morte de Ana Luisa Marcelino Ferreira da Silva, de 10 anos. No dia 10 do mês de junho ela completaria 11 anos e ganharia uma superfesta de aniversário, como ocorreu no ano passado. No entanto, a vida dela terminou de uma maneira muito dolorosa para a família no início deste ano.

A professora, que recebeu a Reportagem na casa dela, no Bairro Aviação, conta que a filha morreu 30 minutos após o falso médico iniciar o atendimento em um consultório pediátrico no Hospital Roberto Silvares. Em desespero pela sequência de acontecimentos que acredita ter contribuído para a morte de Ana Luisa, a mãe acusou o homem que se passava por profissional da saúde de assassinato.

“Foi o pior dia da minha vida. Acabou com tudo que eu tinha. Eu chamei ele de assassino. Dizia: ‘Você matou a minha filha’. Mas as pessoas falavam que eu estava louca e que ele [o falso médico] tinha feito tudo que podia. Mas eu sei que estava certa o tempo todo” – relata Alessandra, afirmando que quando soube da prisão do acusado, sentiu-se aliviada.

Na quinta-feira (19), Alessandra procurou a Polícia Civil e prestou depoimento. Disse ainda que vai procurar o Ministério Público do Espírito Santo para denunciar o caso. Para a Reportagem, ela apresentou documentos como prontuário de atendimento na triagem, do falso médico e o laudo da morte da filha, além do boletim de ocorrência lavrado na Polícia Civil.

 

 

Segundo a professora, o acusado ainda teria falsificado o prontuário médico, afirmando que a filha dela estava passando mal dias antes do atendimento e que teria feito exames físicos na criança, o que de acordo com Alessandra, não são verdades.

 

ENTENDA O CASO

 

São Mateus – O falso médico foi preso numa operação da Polícia Federal de São Mateus (ES), de Vitória da Conquista (BA) e do Amazonas na quarta-feira. Esta operação investiga prática ilegal da Medicina, falsificação de diploma de curso superior emitido por universidade estrangeira, bem como a transferência externa para universidades brasileiras, mediante apresentação de currículo falso.

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A Assessoria de Comunicação da Polícia Federal relata que as investigações iniciaram quando, na cidade de Jitaúna (BA), “cinco falsos médicos foram descobertos trabalhando no hospital municipal e fugiram para outras cidades dos estados do Espírito Santo e Amazonas”.

De acordo com a apuração da PF, o alvo do mandado de prisão em São Mateus matriculou-se em uma faculdade de Medicina na Bolívia onde estudou por um semestre. “Solicitou transferência para uma faculdade brasileira e adulterou os registros para que computassem, ao invés de seis meses, quatro anos de estudo. Concluiu os estudos e formou-se então médico. Vê-se que a faculdade brasileira foi vítima da ação do falso médico” – sustenta.

A PF afirma ainda que, no Espírito Santo, o homem foi contratado por diversas prefeituras do norte capixaba e também pelo Governo do Estado e, em salários nos últimos três anos, auferiu aproximadamente R$ 850 mil.

“Paralelamente, passou a recrutar estudantes e repetia o processo. Os enviava para estudarem por seis meses e falsificava a documentação quando da transferência para que o tempo de curso fosse abreviado. Pelos serviços de falsificação, cobrava entre 20 e 40 mil reais” – acrescenta.

 

 

Momentos de aflição e desespero

 

São Mateus – O martírio da professora Alessandra Ferreira Marcelino começou na noite do dia 11 de janeiro, uma segunda-feira. Ela conta que um dia antes, no domingo, a filha ficou com o pai, foi à praia, passeou de lancha e estava muito ativa e alegre pelos bons momentos. Na segunda, ela se mostrou bem disposta, tranquila o tempo todo.

 

INÍCIO

Foi à noite de segunda, 11 de janeiro, que Ana Luisa começou a se sentir mal. De acordo com o relato de Alessandra para a Reportagem, na primeira vez que vomitou, por volta das 21h30, ela deu um remédio para cortar o vômito e que é acostumada a administrar em casos parecidos. Ela afirma que o medicamento já havia sido indicado por um pediatra.

Como a filha não demonstrou melhora e vomitou pela segunda vez, ela resolveu dar para Ana Luisa uma solução de soro, preocupada com desidratação. No entanto a filha voltou a vomitar e a reclamar de dores abdominais e Alessandra decidiu que era o momento de buscar ajuda médica.

 

NO HOSPITAL

A professora detalha que chegou ao Hospital Roberto Silvares por volta das 23h, passou pela triagem e foi encaminhada para atendimento com o pediatra. Ela lembra que perguntou o nome dele e como não o conhecia, pediu mais informações. “A enfermeira [atendente] disse que ele era de fora, mas recomendou que era um excelente profissional”.

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Segundo Alessandra, poucos minutos depois de dar entrada na unidade hospitalar, ela foi chamada para o atendimento. “Entrei na sala e ele estava sentado”, lembra. Após alguns minutos de conversa, a professora conta que a filha foi diagnosticada com gastroenterite. Não convencida, começou a questionar o atendimento. Disse que perguntou ao falso médico se ele não acharia melhor pedir exames. “Ele nem tocou na minha filha e quando fui perguntar, me disse que aquele era o protocolo, que não podia haver contato por causa da pandemia”.

Alessandra diz ainda que diante dos questionamentos, o médico a abordou, “em tom de deboche”, se ela queria que a filha ficasse internada com outros pacientes de covid. Após essa abordagem, a professora conta que o homem receitou a medicação e a mandou votar para casa.

 

MEDICAÇÃO

Depois do atendimento no consultório de pediatria, mãe e filha seguiram para o local onde seria administrada a medicação. Alessandra relata que enquanto as enfermeiras preparavam o que havia receitado o médico, ela começou a fazer mais perguntas. Segundo ela, foi informada de que não havia paciente naquele momento na área pediátrica do hospital, o que considerou estranho.

Alessandra afirma que no momento da aplicação do medicamento, a filha começou a piorar. “A enfermeira disse que era medo de agulha e continuou”. Segundo a professora, assim que a profissional iniciou a aplicação do remédio, a filha começou a reclamar de dores no peito e a gritar, entrando em convulsão.

A partir daí, perto da meia-noite, foram iniciados os procedimentos para levar Ana Luisa para a emergência. “Eu ajudei a carregar minha filha, colocar na maca”. Alessandra detalha que durante todo o atendimento na emergência, ela acompanhava desesperada a piora do estado de saúde da filha. O falso médico foi novamente acionado, realizou alguns procedimentos, e quando saiu da sala, tentou acalmar a mãe dizendo que ela havia voltado, que estava sedada, segundo o relato da mãe.

 

MORTE

Alessandra afirma que depois que o falso médico deixou a emergência, saiu para buscar algo e retornou para a sala onde estava a filha. “Minutos depois que entrou…”. Neste momento da entrevista, a professora demonstra não aguentar mais falar e começa a chorar. Instantes depois: “Foi o pior dia da minha vida. Ele veio friamente falar comigo: ‘Ela parou’. Não disse mais nada. Eu comecei a gritar e a chamar ele de assassino”.

 

“Ele me mandou dar refrigerante para minha filha”

 

São Mateus – Ainda durante o atendimento da filha no consultório, Alessandra afirma que logo após dizer para ela levar Ana Luisa para casa, o falso médico disse que eu poderia dar o que ela quisesse. “Ele mandou dar refrigerante para minha filha. Disse que o que ela pedisse, eu poderia dar. Que era para não contrariar a vontade dela porque poderia piorar a saúde” – lembra.

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A professora relata ainda que, naquele momento, cerca de 30 minutos antes da filha morrer, Ana Luisa demonstrou que estava muito lúcida. “Ela brincou e me perguntou se poderia comer o que quisesse. Ela estava muito consciente”.

Após a morte da filha, Alessandra disse que foi informada que o corpo seria levado para exames em Vitória e todo o processo burocrático foi assumido pelo pai de Ana Luisa, seu ex-marido.

Depois do sepultamento da filha, Alessandra foi passar um tempo na casa dos pais junto com o outro filho, em Baixo Guandu, de onde é a família dela. Segundo a professora, ficou na casa dos pais por sete meses e, com o retorno do ensino presencial, retornou para São Mateus.

Ela conta que por causa do trauma, começou a ter problemas de saúde que não se apresentavam antes e iniciou tratamentos psicológicos e psiquiátricos, começou a tomar muitos remédios para depressão e crises de ansiedade e de pânico. Por orientação médica, voltou a lecionar, nas escolas municipais Dora Arnizaut Silvares (Caic) e Golfinho.

Até hoje, Alessandra carrega na bolsa as roupas da filha e diz que não consegue “desgrudar” delas.

Em relação ao falso médico, Alessandra afirma que só quer Justiça e que espera que o acusado responda pelo crime de homicídio e que vá a júri popular. Ela destaca que teme, pelo acusado aparentar ter uma situação financeira confortável, que ele possa pagar fiança e fugir.

 

REPERCUSSÃO

 

. O QUE DIZ A POLÍCIA FEDERAL

Em Resposta à Rede TC de Comunicações, a Polícia Federal afirmou o seguinte: “A investigação encontra-se em andamento e, por isso, a Polícia Federal não se manifesta no momento em face do sigilo legal”.

A professora Alessandra afirma que para ela a Polícia Federal confirmou que já tinha conhecimento da morte da filha e que utilizou o caso como agravante para prender o falso médico.

 

. O QUE DIZ A POLÍCIA CIVIL

Também em resposta à Reportagem, a Assessoria de Comunicação Social da Polícia Civil informou que o caso, recebido por meio da Delegacia de Infrações Penais e Outras (Dipo) de São Mateus, foi levado para a Delegacia de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP). “Para que a apuração seja preservada, nenhuma outra informação será repassada”.

 

. O QUE DIZ A SESA

A Reportagem entrou em contato com a Assessoria de Comunicação da Secretaria Estadual da Saúde para apresentar quais providências estão sendo tomadas em relação ao caso. No entanto, até o fechamento desta matéria não foi registrada resposta.

 

. DEFESA

A Reportagem tentou fazer contato com a defesa do acusado, mas nem na Delegacia de Polícia Civil, nem na Ordem dos Advogados do Brasil de São Mateus, foi possível identificar algum advogado do acusado. A TC está à disposição para ouvir a defesa do falso médico.

 

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