PATRÍCIA PASQUINI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em meio a tantos desafios diários que a pandemia de Covid-19 traz, um fator chamou mais a atenção do médico Geraldo Reple Sobrinho, presidente do Cosems (Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo): as pessoas redescobriram o SUS (Sistema Único de Saúde).

Atualmente, 75% dos brasileiros dependem da rede pública de saúde.

“Isso é fantástico, porque o SUS sempre foi o patinho feio. Mesmo com todas as dificuldades, porque somos um país pobre e temos que entender isso, nós temos um sistema de saúde muito bom. É o SUS que dá vacina, os medicamentos, atende as pessoas e agora quem está segurando toda essa pandemia é o SUS”, afirma Sobrinho, que também é membro do Centro de Contingência do Coronavírus, secretário municipal de Saúde de São Bernardo do Campo e coordenador do Grupo Técnico de Saúde ABC.

“Não temos um sistema semelhante em nenhum lugar do mundo. Até o da Inglaterra, o NHS, no qual o SUS se baseou, não é tão abrangente quanto o nosso”, completa.

Para ele, o governador de São Paulo, João Doria, saiu na frente ao decretar a quarentena, mas agora é preciso ter cuidado e cautela para que não ocorra uma segunda onda de contágio. “Se o pessoal achar que do dia para a noite abrirá o comércio inteiro, shoppings, academias, não há o que o segure. Por isso, será preciso ter uma vigilância muito grande por parte dos municípios. Pode ser que a gente tenha uma segunda onda se na hora que começar a flexibilização as pessoas abusarem e relaxarem demais.”

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Pergunta – Na opinião do sr., o estado de São Paulo iniciou tardiamente as medidas de contenção da Covid-19?

Geraldo Reple Sobrinho – Disseram que tivemos casos em janeiro, mas ninguém confirmou. Realmente, os casos começaram em março. Infelizmente, as notícias que chegavam da China indicavam que a doença não seria nada. São Paulo saiu na frente, na época certa. O governador foi muito corajoso e decretou logo a quarentena. Creio que não atrasamos. A princípio, o poder de contaminação da doença parecia pequeno. O problema é que não tínhamos a dimensão da doença.

Como está o crescimento da Covid-19 no ABC e na região metropolitana?

GRS – Pelos nossos números, está crescendo, mas pouco, quase tendendo para a estabilização. Cresce também porque estamos testando mais. Adolpho Lutz e Instituto Butantan estão liberando mais exames, as prefeituras conseguiram comprar exames, o Ministério da Saúde fez uma parceria com o laboratório Dasa, então nosso número de positivos ainda aumentará bastante, em função de mais testes.
Uma coisa que podemos tomar por base são os óbitos, que no ABC têm se mantido estáveis.

A região metropolitana poderá enfrentar uma situação pior que a da capital paulista?

GRS – O estado de São Paulo é dividido em 17 diretorias regionais de Saúde. Cada uma tem um número de regiões de saúde. A Grande São Paulo é dividida em seis, e uma delas é a capital. As diferenças entre elas são gritantes. O Alto Tietê tem uma peculiaridade; do outro lado, em Franco da Rocha, há dificuldade de leito hospitalar muito grande. Por isso, pedimos que a Grande São Paulo fosse analisada por região e recebesse tratamento diferente. São 22 milhões de habitantes morando em 39 municípios.

São Paulo chegará ao ponto de precisar do lockdown?

GRS – Com as medidas que estão sendo adotadas no estado de São Paulo, não acredito em lockdown. Talvez algo pontual. O estado triplicou e em alguns locais quadruplicou o número de leitos, adquiriu equipamentos que estão chegando. Pode ser que alguns lugares tenham que voltar para o vermelho e também terá ao contrário, de algumas cidades avançarem do laranja para o amarelo e do amarelo para o verde, futuramente [no Plano São Paulo, cores indicam o grau de flexibilização de cada região].

Como o senhor avalia o relaxamento da quarentena proposto pelo governo estadual? É o momento adequado?

GRS – Temos que estudar, ter cuidado e cautela para não acontecer a segunda onda. Por isso, acho que o governador e o próprio comitê de contingência têm tomado muito cuidado até na divulgação dessa forma de flexibilização.
Se o pessoal achar que do dia para a noite abrirá o comércio inteiro, shoppings, academias, não há o que o segure. Por isso, será preciso ter uma vigilância muito grande por parte dos municípios. As vigilâncias sanitárias estão sendo chamadas à responsabilidade. Pode ser que a gente tenha uma segunda onda se na hora que começar a flexibilização as pessoas abusarem e relaxarem demais.

Em que momento estamos da infecção pelo novo coronavírus. Já chegamos ao pico da doença?

GRS – Ainda não chegamos ao pico em São Paulo. Hoje, somos o que a Europa foi há um ou dois meses. Pelos estudos, o pico deverá ocorrer na metade deste mês para a frente e acredito que avançando para o mês de julho, apesar de todas as ações que fizemos para tombar essa curva.
Tem uma coisa boa nessa pandemia: as pessoas redescobriram o SUS. Isso é fantástico, porque o SUS sempre foi o patinho feio. Mesmo com todas as dificuldades, porque somos um país pobre e temos que entender isso, nós temos um sistema de saúde muito bom. É o SUS que dá vacina, os medicamentos, atende as pessoas e agora quem está segurando toda essa pandemia é o SUS. Os profissionais estão batalhando bastante para que o sistema se mantenha em pé.

É possível prever quando a doença se estabilizará no estado?

GRS – Creio que a partir de julho os números de casos e mortes começarão a cair. O que a gente tem visto nos outros países é a segunda onda. Aí é que precisa ter cuidado. Mesmo com a flexibilização, até o final do ano teremos que continuar nessa toada, mantendo os cuidados e as medidas de segurança, o distanciamento, abertura do comércio em horários alternados, uso de máscaras etc.

Na sua opinião, qual país realiza um bom trabalho em relação à contenção da doença e pode servir de exemplo ao Brasil, principalmente ao estado de São Paulo?

GRS – Portugal. Quando começou lá atrás, Portugal se fechou e as pessoas se conscientizaram de que era o melhor jeito. Eles seguiram todas as medidas. Todos os países que tiveram sucesso, como Nova Zelândia, Portugal e a Alemanha, tinham uma afinidade de ações. Os governos falavam a mesma língua.
Nos poucos lugares onde houve um desentendimento dessa relação as coisas não tiveram muito sucesso. Isso é uma coisa que nos preocupa. Aqui em São Paulo há um alinhamento entre o governo estadual e os municipais. Infelizmente, não notamos esse alinhamento com o governo federal.

A politização da pandemia atrapalha o trabalho da medicina?

GRS – Atrapalha. Nós, secretários de saúde, que somos técnicos, estamos tentando salvar vidas e fazer o nosso trabalho. Se as pessoas falassem a mesma língua e tivessem os mesmos objetivos, passaríamos pela epidemia mais tranquilamente. É uma doença violenta, mas teríamos menos óbitos. Qualquer coisa vira motivo de discussão, de manifestação. A pessoa deveria pensar em se manifestar em favor da saúde, das vidas.

O presidente Jair Bolsonaro atrapalha o trabalho de conscientização da população em relação à doença?

GRS – Volto a insistir no alinhamento. Falam que a unanimidade é burra. Concordo. Ninguém pensa igual. Vamos olhar o trabalho científico, ver o que falam as publicações, a ciência, as pessoas. Isso é fundamental. Eu acho que o comportamento de A ou de B não ajuda muito.

O sr. é a favor do uso da cloroquina?

GRS – Sou a favor da autonomia médica. Se o médico achar que o melhor é a cloroquina, a autonomia deve ser respeitada, desde que o médico esclareça ao paciente sobre o medicamento que dará a ele.

Qual doença está assolando São Paulo além da Covid-19?

GRS – No interior a dengue está matando gente, principalmente nas divisas com Paraná e Mato Grosso. Em alguns locais, há mais mortes por dengue que por Covid-19 no estado. No ABC Paulista, tivemos a gripe e o sarampo vindo forte, mas acalmou. Nosso medo era que teríamos que enfrentar três epidemias ao mesmo tempo: sarampo, dengue e Covid-19.

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