ISABELA PALHARES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A sedação de mulheres para o parto é excepcional e pouco recomendada pelos médicos, segundo especialistas ouvidos pela Folha. A prática, além de impedir que a mãe participe do nascimento do filho, também pode afetar o bebê.

Na madrugada de segunda-feira (11), o anestesista Giovanni Quintella Bezerra foi preso em flagrante pelo estupro de uma mulher que estava dopada enquanto passava por uma cesárea. O procedimento de sedação das pacientes foi um dos motivos que levou a equipe de enfermagem a desconfiar do médico.

Segundo especialistas, a sedação em partos é extremamente atípica e rara em qualquer tipo de parto, seja normal ou cesárea, e contraria as práticas médicas recomendadas. Além disso, quando há necessidade do uso de medicação sedativa, ela é feita em baixa dosagem para que a mulher não perca a consciência durante o parto.

“Trabalho há 33 anos como obstetra e conto nos dedos os casos em que a mãe estava sedada. É uma prática excepcional, usada, por exemplo, quando o feto está morto”, conta Silvana Quintana, vice-presidente da Sogesp (Associação de Obstetrícia e Ginecologia de São Paulo).

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O médico Marcos Albuquerque, presidente da SBA (Sociedade Brasileira de Anestesiologia), explica que as equipes médicas só podem recorrer à sedação quando há consentimento da paciente.

“A prioridade é sempre não sedar, mas, em alguns casos, pode se recorrer a uma sedação leve para que a mãe possa relaxar e minimizar o estresse do parto. Mas é uma dosagem mínima, jamais para retirar a consciência”, diz.

Silvana explica que a sedação prejudica o estabelecimento dos primeiros vínculos da mãe com o bebê. “Se a mulher está inconsciente, ela não participa do momento do nascimento do filho. Não vive os primeiros minutos em que se inicia o vínculo com o recém-nascido, que é pegá-lo no colo, fazer a primeira amamentação.”

“Só a sedação das pacientes sem indicação clínica e consentimento, já poderia ser considerada uma violência obstétrica por retirar delas o direito a participar do nascimento do próprio filho”, diz a médica.

Os médicos explicam que a sedação também é pouco indicada porque pode trazer riscos para o bebê. Como a medicação circula pela corrente sanguínea da mãe, ela afeta a criança.

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“O sedativo pode fazer com que o bebê nasça com depressão respiratória, mais molinho, sonolento e precisar até de assistência de um neonatologista”, explica Albuquerque.
O anestesiologista José Luiz Gomes do Amaral, presidente da APM (Associação Paulista de Medicina), diz que a sedação das pacientes configura um desvio de conduta das boas práticas médicas.

Segundo Amaral, há mais de 50 anos, a recomendação médica internacional e nacional é para evitar a sedação e até anestesia geral durante o parto. “É algo tão excepcional e com tantas contraindicações que ocorre um caso por ano em uma maternidade de grande porte.”

Os especialistas explicam que a maioria das cesáreas é feita apenas com anestesia local, a peridural ou raquianestesia. Somente em casos de emergência ou contraindicação médica, é feito o uso de anestesia geral. Segundo a literatura médica, essa interferência ocorre em cerca de 8,7% das cesáreas.

Segundo as informações colhidas pela Polícia Civil do Rio, a prática de Bezerra não era pela anestesia geral, mas sim pela sedação.

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“Há uma indicação de que a sedação era realizada como um meio para a prática do crime, como um meio para fazer com que a vítima ficasse totalmente vulnerável, desacordada e pudesse sofrer a violência”, disse a delegada Barbara Lomba, que está à frente das investigações.

“Pelos relatos dos médicos e dos enfermeiros que nós ouvimos, tudo indica que a sedação não era necessária ou era feita numa dosagem excessiva”, afirmou a delegada. Frascos do sedativo utilizado pelo suspeito foram apreendidos. A polícia vai apurar se o médico dopava as pacientes sem necessidade.

 

Foto do destaque: Ana Nascimento/MDS-Portal Brasil

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