RICARDO DELLA COLETTA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Recém-eleita presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, Kátia Abreu (PP-TO) critica o componente ideológico na política externa conduzida pelo chanceler Ernesto Araújo e afirma que não cabe ao governo brasileiro opinar sobre o sistema de governo na China.

“O ministro Ernesto deve ter as suas qualidades, ou não teria sido escolhido para o Itamaraty. Eu só acho que [ele] precisa repensar a respeito desses conceitos ideológicos”, disse ela, em entrevista à reportagem em seu gabinete nesta quinta-feira (25).

“Se não funcionou no governo da esquerda, não funcionará no governo da direita”, afirmou a senadora, lembrando do período em que as administrações do PT eram criticadas por apostar suas fichas na cooperação Sul-Sul.

Abreu foi ministra da Agricultura no governo Dilma Rousseff e candidata a vice na chapa de Ciro Gomes (PDT) em 2018. Ligada ao agronegócio, foi escolhida para comandar a comissão no biênio 2021-22.

A senadora defende que Ernesto precisa abandonar a retórica de confrontação com a ditadura comunista chinesa. O chanceler tem um histórico de choques com Pequim.

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Ernesto já declarou que o Brasil “não venderá a alma” para exportar minério de ferro e soja e, mais recentemente, atacou o que chamou de “tecnototalitarismo” de países com “diferentes modelos de sociedade” -referências à China.

Além do mais, o chanceler praticamente rompeu o diálogo com a embaixada da China em Brasília. Ele chegou a pedir a demissão do diplomata Yang Wanming. A solicitação foi ignorada.

“O sistema de governo chinês não me diz respeito. O Brasil é um vendedor, um comerciante de produtos agropecuários e de tantos outros. Não estamos lá para discutir isso [o sistema político da China]”, afirmou Abreu.

“Queremos provar que nosso produto é bom, que tem consistência e que temos condições de entregar”, disse a senadora.

“Então brigar com a China -ou dizer ‘eu não gosto da China por causa do seu sistema de governo’- não nos diz respeito. Isso não é da nossa conta, é da conta dos chineses.”
Apesar das críticas à ideologia da atual política externa, ela disse que não lhe cabe avaliar se Ernesto tem ou não condições de permanecer no cargo.

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“Eu não gostaria de dizer que nenhum ministro deve ou não sair, isso é uma prerrogativa presidencial. Agora acho, sim, que [ele] deve ter mudanças de comportamento”, afirmou.
“Há coisas que não são mais opção, são imposição. Nós não temos a opção de não querer a China, nós não temos a opção de não querer a União Europeia”, disse a senadora.

A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional sabatina todos os diplomatas indicados para comandar embaixadas fora do país. O novo comando do colegiado gera apreensão entre aliados de Ernesto no Itamaraty.

Abreu esteve no centro da maior derrota do chanceler no Senado: a rejeição da indicação do diplomata Fabio Marzano para chefiar a missão do Brasil junto à ONU (Organização das Nações Unidas) em Genebra.

A senadora garantiu que não comandou o voto negativo a Marzano. Ela afirmou, porém, que houve solidariedade dos demais senadores após uma desavença dela com o diplomata. Segundo Abreu, o Senado deu uma “sinalização geral” com a rejeição.

A senadora disse também que o governo precisa “abandonar o negacionismo” nas questões ambientais para permitir o avanço do acordo comercial União Europeia-Mercosul.

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“Esse negacionismo, de que [não] tem aquecimento global, de que desmatamento [não] faz mal. É a bandeira universal, que nós todos estamos defendendo hoje. Negar isso é igual tentar negar direitos humanos, algo indiscutível, que todos os países acreditam e que nem se discute mais”, disse.

Uma das primeiras ações prometidas pela senadora é organizar uma viagem a Bruxelas para convidar parlamentares europeus para uma visita à Amazônia.

“Quando você vai produzir um produto, qual a sua preocupação? É com seu cliente, com quem vai comprar”, afirmou.

“Então, se eu quero vender para a Europa, o que o meu cliente europeu quer? Ele quer que não tenha desmatamento ilegal de onde vem o produto. É um direito dele. Nós podemos virar as costas e falar que a Europa não nos interessa, que não queremos vender. Será que nós podemos [fazer] isso? Não.”

FOTO DE DESTAQUE: Reinaldo Canato/Folhapress

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