GUSTAVO URIBE
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A disputa por recursos orçamentários e protagonismo no governo acirrou a divisão entre militares e civis na Esplanada dos Ministérios.

A queda de braço entre os grupos, que antes era restrita a discordâncias de bastidor, tornou-se pública nas últimas semanas e tem potencial de se agravar até o final do ano.

O embate ocorre tanto em torno do remanejamento de verbas federais como por causa de opiniões distintas sobre políticas de enfrentamento à atual recessão econômica.

O antagonismo chegou até mesmo ao grupo de WhatsApp da equipe ministerial, formado pelos 23 auxiliares presidenciais e criado no início do governo para a discussão de pautas prioritárias.

Segundo relatos feitos à reportagem, militares e civis têm reforçado, no aplicativo de mensagens, o compartilhamento de notícias que reafirmem as suas bandeiras ideológicas.

Por um lado, os civis, a maior parte deles afinada ao ministro Paulo Guedes (Economia), defendem a preservação do teto de gastos e o ajuste fiscal, seguindo o ideário liberal.

Os militares, por sua vez, pregam a necessidade de induzir a atividade econômica e aumentar os investimentos públicos, em uma linha desenvolvimentista.

Com a previsão para o ano que vem de R$ 92 bilhões para gastos não carimbados, a expectativa entre assessores presidenciais é de que a proposta orçamentária para 2021 estimule novos choques.

Na última semana, deputados governistas relataram à Folha de S. Paulo que já foram sondados por assessores de ministros para discutir o aporte em projetos de infraestrutura e avaliar remanejamentos de recursos.

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A piora na relação entre civis e militares teve início com a pandemia do novo coronavírus. A decretação do estado de calamidade permitiu o aumento dos gastos, mas manteve limitações para despesas não relacionadas ao combate à doença.

Desde então, militares do governo já defenderam em caráter reservado a demissão de dois auxiliares civis, mas o presidente Jair Bolsonaro manteve os assessores e preferiu não se envolver nas crises internas.

O primeiro embate público se deu em abril, quando o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, montou um plano de retomada da economia chamado de Pró-Brasil. Ele foi apelidado de “Plano Marshall”, em referência ao programa norte-americano adotado após a Segunda Guerra Mundial.

A proposta foi anunciada com a previsão de criação de 1 milhão de empregos por meio da retomada de obras públicas. A iniciativa enfrentou uma resistência imediata de Guedes, para o qual a saída da crise não se dará por meio do gasto público.

“Se a gente quiser acabar igual a [presidente] Dilma [Rousseff], a gente segue esse caminho”, disse o ministro em reunião ministerial no final de abril. A presidente sofreu impeachment em 2016.

Mesmo com a oposição de Guedes, Bolsonaro autorizou Braga Netto a dar prosseguimento ao plano, em uma tentativa de criar uma vitrine eleitoral que possa aumentar as chances de uma eventual reeleição em 2022.

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Nessa época, em uma conversa reservada, ministros civis alertaram o presidente deque, caso ele desse sequência a um plano de aumento dos gastos, seu destino poderia ser o mesmo do ex-presidente argentino Mauricio Macri.

Eles lembraram que Macri foi eleito com a bandeira do liberalismo, mas que, diante da crise econômica, descuidou das contas públicas e não levou adiante reformas econômicas amplas. Ao final do mandato, ele foi derrotado nas urnas.

A oposição do núcleo civil levou o presidente a adiar pontos estratégicos do Pró-Brasil. A ideia agora é que, neste ano, ele seja focado na edição de decretos regulatórios e na atração de investimentos privados.

Mesmo com a mudança na iniciativa, militares do governo não desistiram de buscar recursos para obras federais, o que criou um novo embate público com o núcleo civil. Com a autorização de Bolsonaro, eles iniciariam articulação em busca de uma brecha para investimentos públicos.

Os ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura) e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) chegaram a discutir com o TCU (Tribunal de Contas da União) uma forma de conseguir recursos sem desrespeitar a lei do teto de gastos.

Embora seja civil, Marinho tem discurso alinhado com o núcleo desenvolvimentista, representado pela cúpula militar.

O movimento irritou Guedes. Em entrevista, o ministro criticou assessores presidenciais que, segundo ele, aconselham Bolsonaro a furar o teto de gastos.

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Após o episódio, integrantes do grupo desenvolvimentista chegaram a defender que Guedes fosse substituído pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.

Bolsonaro, porém, disse em conversa reservada que, apesar de o ministro não ser insubstituível, ele ainda é um ativo importante.

O embate público mais recente entre civis e militares ocorreu na semana retrasada.

Informado pela Economia de que sofreria um bloqueio financeiro, o Ministério do Meio Ambiente comunicou a suspensão de todas as operações de combate ao desmatamento ilegal.

O anúncio incomodou o vice-presidente Hamilton Mourão, que preside o Conselho da Amazônia. Em entrevista, ele disse que o ministro da pasta, Ricardo Salles, se precipitou e que não haveria qualquer interrupção.

Com a repercussão negativa do episódio, o bloqueio foi revertido, mas o incidente irritou ministros militares, que chegaram a defender a substituição de Salles do cargo.

Bolsonaro, no entanto, afirmou a assessores presidenciais que o episódio se tratou de um ruído de comunicação.

O presidente ressaltou que confia no ministro e que não havia motivos para uma exoneração. Procurado pela reportagem, Salles não quis comentar o episódio.

Bolsonaro é descrito por assessores palacianos como um presidente que não costuma atuar para arrefecer conflitos em sua equipe ministerial.

Na tentativa de agradar os diferentes grupos que compõem a sua gestão, o presidente costuma dar sinais divergentes, o que, na opinião de aliados do governo, acaba gerando desgastes internos.

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