Um caminho trilhado na defesa dos recursos naturais, por territórios, por espaço e pela visibilidade quilombola. “Nossa luta de resistência não pode, não deve e, no que depender da gente, não irá acabar”. Este é o pensamento que defende Selma Dealdina, 39 anos, do território do Sapê do Norte, que envolve os municípios de São Mateus e Conceição da Barra.

De origem da comunidade barrense do Angelim III e residente na comunidade mateense do Morro das Araras, Selma desponta como uma das principais lideranças quilombolas do País, ocupando atualmente o cargo de secretária administrativa da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq).

O histórico de lutas e o fato de ser organizadora do livro Mulheres quilombolas: territórios de existências negras femininas, de repercussão em todo o País, a levou a concorrer ao Prêmio Mulheres Inspiradoras 2021, na categoria Equidade e Cidadania, realizado pelo Instituto Avon, cuja vencedora será apresentada na terça-feira (23).

Ela concorre com outras duas importantes lideranças femininas brasileiras: Luiza Batista (coordenadora-geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas) e Watatakalu Yawalapiti (coordenadora-geral do Departamento de Mulheres da Associação Terra Indígena Xingu -Atix).

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Irmã de Domingas, José Fernando, Rogério, Matilde e Célia, Selma é filha de Rosa dos Santos Dealdina e Manoel do Nascimento Dealdina. Aos 19 anos, com a irmã Domingas (ex-secretária municipal de Cultura) e outros jovens do Sapê do Norte (como Kátia Penha, Gutemberg e outros), ela iniciou uma pesquisa de identificação das comunidades quilombolas. “Foi um espaço importante para nós, de descoberta, de reconhecimento”, frisa.

 

 

“Não é uma luta glamourosa”

 

Selma Dealdina destaca que a luta na representatividade da defesa do povo quilombola não é glamourosa. “A gente tem que aprender a ficar longe da família, abrir mão de muitas coisas que poderíamos fazer, abdicar de várias situações, por uma pauta maior, em prol do povo”, sustenta.

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Na busca pelos espaços quilombolas, Selma detalha que foi gerente de Políticas Públicas para Mulheres do Governo do Espírito Santo, chefe de Gabinete da Superintendência do Espírito Santo do Ministério da Pesca.

Na Conaq, iniciou o trabalho no setor de Comunicação, até ser convidada, em 2015, para reorganizar a Secretaria Nacional, precisando ficar mais tempo em Brasília, dentro de um período que já chega há seis anos.

 

“Maioria negra, minoria nos espaços”

Selma Dealdina destaca que a maior parcela da população de São Mateus e de todo o território do Sapê do Norte é negra, mas que se torna minoria na ocupação de espaços na sociedade.

Ela avalia que não é uma situação fácil a se resolver porque enxerga um racismo estrutural que ainda existe e é forte. Frisa que ao longo da história da resistência quilombola já ocorreram, inclusive, enfrentamentos no campo.
Mas reforça: “O que move a gente é acreditar que é sim possível conquistar espaço que é nosso por direito. Não podemos desistir”.

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E a palavra desistir não entra no vocabulário de Selma. Por isso, segue na luta!
Como uma das lideranças da Conaq, percorre todo o Brasil e outros países. Na semana passada esteve na Colômbia. Essa vivência a possibilita enxergar que há locais com dificuldades ainda maiores.

“Várias lutas diferentes. Por exemplo, tem companheira em outro estado que não sai de casa para que não seja assassinada. Eu aqui ainda posso sair. Já vivemos situações de ameaças, mas podemos fazer algo que outras companheiras não podem fazer” – comenta.

 

Inspiração a outras mulheres

Além da questão do racismo, Selma ressalta que há outra questão a ser enfrentada pelas mulheres negras, que é o machismo, manifestado em diversas situações, relatadas em narrativas de 18 mulheres no livro Mulheres quilombolas: territórios de existências negras femininas, organizado por Selma.

Ela destaca que a obra mostra a questão da invisibilidade que faz o Brasil não conhecer o histórico de lutas. “Estamos aqui fazendo a vanguarda da natureza dos rios, das florestas, da mata, dos recursos naturais, defendendo até com a própria vida. Muitas companheiras tombaram, seja pela violência doméstica ou pela violência agrária. Estamos aqui para dizer que estamos vivas, para contar nossos pontos de vista e nossas narrativas” – enfatiza.

 

Foto do destaque: Divulgação

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