JÚLIA BARBON
BELO HORIZONTE, MG (FOLHAPRESS) – “Vocês acreditam em Deus?”, perguntou Adalberto dos Santos aos dois homens que nunca tinha visto na vida, sob uma chuva torrencial e sobre uma forte correnteza que teimava em querer levá-lo. “Eu preciso de vocês, confiem em Deus, em que tudo vai dar certo”, ele insistiu.

Foto: Reprodução

O cabo da Polícia Militar de 33 anos não conseguia pensar direito, mas não tirava da cabeça sua esposa e seu filho pequeno. É que Alan, que ameaçava desmaiar e não conseguia se mexer, suplicou ao PM que não o deixasse morrer porque também tinha uma bebê.
A essa altura os três estavam em cima da cabine de uma carreta 90% submersa, no quilômetro 21 da rodovia MG-133, a quatro horas e meia de Belo Horizonte.
O que aconteceu foi que, com as fortes chuvas que caíram em Minas Gerais, uma pequena galeria que passava por baixo dessa via recebeu um volume gigante de água, e o asfalto estourou.
Formou-se uma cratera de cerca de cinco metros de profundidade e 15 metros de largura que destruiu completamente o solo. Por volta da meia-noite de quarta (29), um novo rio começou a cruzar o que antes era estrada.
O problema é que nesse exato momento passava por ali um casal em um Fiat Punto. Logo depois, chegou a carreta que levava três homens e guinchava um caminhão com um motorista. No sentido oposto, na mesma hora, um Celta transportando outro homem.
Eram sete pessoas no total: todas engolidas, uma a uma, pela cratera. No primeiro carro, estavam Suziane e seu marido, Pedro. Ele tentava abrir a porta enquanto a correnteza puxava o veículo. Não conseguiu pelo seu lado, mas deu certo pelo dela.
Pediu para a esposa sair e segurar na porta enquanto ele também se deslocava. A água foi mais rápida. Pedro até tentou segurá-la, mas Suziane Oliveira Neves, 37, foi se afastando, se afastando, até que a vista não a alcançou mais. Ela não sabia nadar.
Enquanto isso, um dos ocupantes da carreta que já havia conseguido sair ajudava Alan e Osmar a se livrarem da cabine. Ele alcançou a terra firme–assim como Pedro, o motorista do caminhão e o homem do Celta–, mas a dupla acabou ficando ilhada no teto da cabine.
Foi quando o policial militar Adalberto chegou e, pensando na própria família, decidiu encarar a correnteza amarrado numa corda, no escuro. Pediu fé à dupla enquanto pensava numa maneira de tirá-los, gravemente machucados, dali.
O jeito foi esticar uma corda maior entre o caminhão e uma viatura (estacionada à margem da cratera) e, com uma corda menor, bolar uma espécie de tirolesa. Alan saiu pendurado nessa corda e Osmar, numa maca do Samu. Quase caiu na correnteza, mas a equipe conseguiu segurá-lo.
O primeiro fraturou o ombro e a perna, o segundo teve uma lesão grave no braço e saiu do local do acidente com o rosto muito inchado, a boca sangrando, falta de ar e outros machucados. Ambos foram levados ao hospital e não correm risco de morte.
Quanto a Suziane, seu corpo só foi achado com a ajuda de um helicóptero por volta das 11h no dia seguinte, com apenas um corte na testa, a quase um quilômetro de distância do buraco. O carro do casal foi arrastado e parou a 200 metros da cratera.
Ela foi uma das 56 vítimas das fortes chuvas que atingiram Minas Gerais na última semana e fizeram 53 mil perderem suas casas. Cento e noventa e seis cidades foram declaradas em situação de emergência. Só em Belo Horizonte caiu o maior volume de água em 110 anos, de acordo com o Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia).
Aquela noite de quarta-feira exigiu uma operação de guerra, que envolveu seis equipes diferentes da Polícia Militar, da Polícia Militar Rodoviária e do Corpo de Bombeiros. Esta história foi narrada por agentes desses grupos que participaram do resgate.
São eles o cabo Adalberto Silva dos Santos, da PM, o tenente Júlio César de Almeida, da Polícia Militar Rodoviária, e os tenentes Carlos Henrique Ferreira e Alexandre Lima Fagundes, do Corpo de Bombeiros.
Os nomes completos e idades dos sobreviventes não foram divulgados. Alan, que passaria por uma cirurgia na perna na tarde desta sexta-feira (31) em um hospital no município de Ubá (MG), não quis dar entrevista por estar ainda muito abalado. A reportagem não conseguiu contato com os outros.

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