Com a pandemia do novo coronavírus, a Ciência tomou conta da sua família. Ela virou o centro das atenções, das relações, dos nossos hábitos diários, fundamentou obrigações e se tornou a dona dos noticiários no mundo inteiro. A pandemia “sentou” a ciência no sofá da nossa casa.

Com isso, ela, que já fazia parte do nosso dia a dia, tomou proporção maior e se desnudou. Se o cotidiano é o local das relações sociais, ele também o é da naturalização dessas relações, é o lugar da superficialidade. Quero dizer, usar o celular, um meio de transporte ou até mesmo um fogão para cozinhar, práticas corriqueiras, envolvem anos de pesquisa, ciência e financiamento para torná-las possíveis. Mas não costumamos vê-las dessa forma.

A verdade é que a crise sanitária que vivemos evidenciou a capacidade da ciência em encontrar alternativas para a preservação da vida de nossas famílias. Com método, metodologia, formalidade e rigor teórico ela tem assumido o protagonismo do combate ao coronavírus. Por isso ela está sentada no seu sofá!

Se cabe à comunidade científica produzir conhecimento para evitar o luto, o que fazer com essa produção é responsabilidade coletiva nossa, enquanto sociedade; e também do poder público, transformando-a em política pública. Esse é o caminho necessário para transpor o negacionismo das muitas opiniões infundadas, sem estudo, comprovação e rigor teórico-metodológico.

Nesse contexto, pesquisadores brasileiros têm apontado alguns desafios para o avanço da ciência no país. Na semana passada foi noticiado que o Orçamento para 2022 confirma nova redução de verbas para o Ministério da Educação e para o Ministério da Ciência e Tecnologia, com corte de recursos também para os Hospitais Universitários Federais.

 

Viviane Vaz Castro é bacharela em Serviço Social pela Ufes e mestre em Serviço Social e Direitos Sociais pela UERN.

Entidades ligadas a cientistas e pesquisadores argumentam que a previsão orçamentária aprovada representa “um cenário de quase paralisação do setor de ciência”. Alegam que é um “golpe” em um momento que a ciência brasileira se provou essencial diante da crise sanitária. Do outro lado, o governo brasileiro argumenta que os recursos são escassos, que a prioridade é respeitar o teto de gastos e cumprir a meta fiscal.

O fato é que o Orçamento de 2022 prevê corte de 600 milhões de reais no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Em 2021, o orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que tem por objetivo fomentar a pesquisa e o desenvolvimento científico no país, foi o menor dos últimos 21 anos. Na mesma lógica, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) perdeu mais de um bilhão de reais no último período. CAPES e CNPq são hoje pilares de sustentação da produção científica brasileira.

Nesse cenário, não se constrói autonomia e soberania nacional. Ao contrário, o resultado será uma avassaladora dependência do Brasil em termos de ciência e tecnologia. Os cortes minam as bolsas de pesquisadores e podem fazer colapsar a pesquisa no Brasil, que tem mais de 95% de sua produção concentrada nas Universidades Públicas do país.

Essas pesquisas são riqueza nacional. Permitem o desenvolvimento de novas tecnologias para o campo, aumentando a produtividade agrícola; a criação de novas alternativas energéticas e sustentáveis; a exploração do pré-sal (que representa mais de 50% do petróleo produzido no Brasil atualmente); possibilita a produção de vacinas nacionais para não dependermos de outros países no combate a epidemias (Barbieri), entre outros tantos exemplos que poderia citar.

Aliás, quanto à tecnologia das vacinas, segundo Galvão, pesquisadora da Unicamp, “a propriedade intelectual das vacinas pertence a multinacionais farmacêuticas que adquiriram esses direitos em estágios avançados das pesquisas – financiadas até então com recursos públicos – justamente quando os resultados já se mostravam promissores”. Assim, “os investimentos de risco e de longo prazo foram assumidos por governos mediante o financiamento constante de pesquisas científicas, evidenciando o papel essencial do Estado no desenvolvimento científico e tecnológico a favor da vida”.

Não sabemos como será o futuro da ciência no Brasil, mas temos certeza que ela está e sempre estará diretamente relacionada às nossas condições de vida. Decidir por atacá-la é ir contra a própria razão, contra a própria natureza humana. Digo mais: ela não vai sair do seu sofá e continuará tomando conta da sua família.

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(*Viviane Vaz Castro é bacharela em Serviço Social pela Ufes e mestre em Serviço Social e Direitos Sociais pela UERN.)

 

Foto do destaque: Reprodução

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