KARINA MERLI
SÃO PAULO, SP (UOL/FOLHAPRESS) – Era 27 de setembro, quando Vinícius Nascimento (25), assim como outros brasileiros, assistia ao amistoso da seleção brasileira contra a Tunísia, na França. Ao lado de amigos, ele comemorava e brincava durante o segundo gol do Brasil, marcado por Richarlison.

Em uma fração de segundos, o que era motivo de felicidade, tanto para Vinícius quanto para o jogador, virou motivo de tristeza. “Foi uma parada que cortou o clima”, lembra. Ele se refere à banana que foi arremessada ao campo, enquanto o camisa 7 e seus companheiros vibravam com o tento.

Vinicius viu Richarlison viver o seu maior medo: um violento caso de racismo. O caso gerou comoção e revolta no mundo.
Após o episódio, o time pelo qual o brasileiro joga, o Tottenham (ING), e a gestão do Campeonato Inglês buscaram uma forma para fazer com que o atleta se sentisse acolhido. As palavras certas para isso vieram das mãos e da mente de Vinícius, diretamente da Bahia.

A oportunidade chegou ao baiano por meio da ESPN, incumbida pela Premier League para encontrar um brasileiro que pudesse escrever uma carta a Richarlison.
Um dos produtores da emissora se lembrou de Vinícius e entrou em contato com ele, que prontamente aceitou. Desde o início, o jovem tinha conhecimento de que as suas palavras seriam lidas pelo atleta. A tarefa não foi um grande desafio para o jovem jornalista.

Porém, com a lesão na panturrilha durante a partida contra o Everton, no começo de outubro, pelo Campeonato Inglês, o autor da carta desacreditou que isso aconteceria.
Em 17 de outubro, o Pombo surpreendeu e o vídeo da leitura foi divulgado no canal da Premier League, no YouTube. No conteúdo, Vinícius – através de suas palavras – e Richarlison compartilham os casos de racismo, os medos e as inseguranças.

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Um dos exemplos citado por ambos foi as idas ao shopping. Enquanto o baiano temia sofrer represálias ao frequentar as lojas com amigos, o atacante da seleção lembra que o segurança o seguia.

No texto, o jornalista ainda compara a atuação de Richarlison à forma de como se deve encarar este crime: “[O racismo] É algo que vai nos perseguir por muito tempo e, nós, negros, precisamos fazer igual a você dentro de campo: lutar, resistir, queimar línguas. De cara fechada e peito aberto. Igual a quando você tenta dividir uma bola, quando parte pra cima dos adversários, quando rasga a área e sobe de cabeça pra fazer o gol.”

Durante a entrevista, Vinícius destacou que não chegou a vivenciar um caso de racismo violento, mas sim situações corriqueiras do dia a dia. Uma delas que, inclusive ele cita em sua carta, era as brincadeiras com os amigos, como a Loira do Banheiro.
“Será uma história que eu vou guardar com muito carinho, apesar de o tema ser tão dolorido de se escrever”, afirmou Vinicius. Para ele, “a carta foi uma oportunidade de ouro e será o tipo de história que eu vou contar para os meus netos sobre uma dor que é muito nossa”, declarou.

Após a leitura, o contato entre jogador e torcedor não aconteceu, mas o baiano torce para que um dia possa conversar com Richarlison ou vê-lo jogando das arquibancadas.

DUAS PAIXÕES

Muito antes de começar a acompanhar o time inglês, Vinicius aprendeu a amar outra equipe: o Bahia. “Meu primeiro amor é ele, é o clube do meu avô e do meu pai. Esse time foi quem me levou pela primeira vez para o estádio e é quem vai me levar pela última vez. É o grande amor da minha vida”, declarou.

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A paixão pelo Tottenham surgiu em 2014, através do jogo ‘Football Manager’ (FM) – no qual o jogador simula o gerenciamento de futebol -. “Graças ao FM, acabei acompanhando as partidas e me afeiçoando ao clube”, afirmou.

Além do game, o estilo de jogar da equipe foi chamando a atenção de Vinicius. Sob o comando de Mauricio Pochettino, o Tottenham daquele período tinha Harry Kane e Christian Eriksen começando a trilhar caminhos de sucesso.

A paixão que surgia ao assistir às partidas do clube foi além das quatro linhas do gramado. Com o tempo, o jornalista quis saber mais sobre a história do Tottenham. Um dos exemplos que Vinicius cita é o fato da equipe inglesa ter sido a primeira a profissionalizar um atleta negro no país.

Os Spurs também deram ao baiano novos amigos, o que só serviu para fortalecer ainda mais o amor pelo Tottenham. A ascensão do time inglês no seu coração fez do Tottenham o seu ‘amigo de faculdade’, enquanto o Tricolor baiano é comparado ao amor de irmão. “Eu nunca tive pretensão de torcer para outro clube que não o Bahia”, confessou.

A equipe, hoje, ocupa a quarta colocação na Série B e luta para voltar à elite brasileira. Quando conversou com o UOL Esporte, Vinicius tinha a expectativa de que o Bahia garantisse o acesso no último sábado (22). O sonho foi adiado para a próxima rodada, após o empate por 1 a 1 com o Vila Nova, na Arena Fonte Nova. O próximo duelo será contra o Guarani, sexta-feira (28). Caso vença, a equipe retorna para a Série A.
Na visão de Vinicius, a forma como a imprensa britânica abordou o caso de racismo sofrido por Richarlison mostra a complexidade do problema.

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“Eu provoquei que, quando ele fez a embaixadinha no jogo contra o Forest, a imprensa britânica pegou pesado. Falou nisso por três semanas”, disse, mencionando um trecho da versão original da carta. “A cobertura sobre esse caso de racismo foi bem diferente, sabe? Foi uma nota de rodapé, algo que sempre é tratado como exótico e não como corriqueiro”, concluiu Vinicius.

No vídeo da Premier League, o atleta menciona que precisa ter mais rigor ao punir pessoas que cometeram o crime de racismo. O baiano vai além. Para ele, faltam também pessoas pretas que atuem diretamente na formulação dessas leis e na sua aplicação.
“Não é tratado da maneira como deve ser e nem é punido como deveria. Há um longo caminho ainda a se traçar em relação a isso”, opinou.

Ambos sonham com o dia em que o racismo deixará de existir. Na concepção de Vinicius, no entanto, é algo utópico.
“O racismo é algo que está extremamente enraizado no mundo e não vão ser trinta, quarenta ou cinquenta anos que vão mudar isso”, afirmou.

Em sua visão, apesar da dificuldade, é necessário que se sonhe com este cenário ideal para que, ao menos, algum dia ele seja realidade e quando ele chegar, o jornalista torce para poder vivenciá-lo.

Foto do destaque: Lucas Figueiredo – CBF

 

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