(*Padre Ernesto Ascione é missionário comboniano, vigário cooperador na Paróquia São José Operário, Bairro Rosário de Fátima, Serra-ES.)

A oito anos de sua eleição a bispo de Roma, Papa Francisco escreveu a sua terceira Carta-encíclica, ponto alto de seu magistério pedrino. A primeira foi: “Evangelii Gaudium” (a alegria do Evangelho); a segunda: “Louvado sejas” (expressão tirada do Cântico das Criaturas de São Francisco de Assis). O título da nova encíclica, “Tutti Fratelli”, é tirada das “Amonições” do Santo de Assis aos seus filhos espirituais.

Ao dar início ao seu serviço pastoral, Papa Francisco mostrou já o tema, que lhe estava mais a peito: a fraternidade. À multidão dos fiéis, que, festantes pela sua eleição estavam na Praça de São Pedro, saudou com: “Buona sera, fratelli” (Boa tarde, irmãos). E, no final do encontro, pediu a bênção ao povo e, num silêncio impressionante, inclinou sua cabeça.

No dia depois, aos cardeais definiu o seu trabalho pastoral como “caminho de fraternidade” e exortou a “orar uns pelos outros e pelo mundo, para que a humanidade cresça no espírito de fraternidade”. E “esta fraternidade –sublinhou Francisco– deve se estender não apenas a todos os seres humanos, mas também à “Casa Comum”, ao mundo da criação, que somos chamados a cuidar como o jardineiro zela pelo seu jardim”.

A fraternidade –salienta Francisco na sua Encíclica– não se limita à emoção, mas, implica uma ação, fruto de conversão. O livro do Gênesis traz uma pergunta de Deus a Caim: “Onde está o teu irmão?”. Caim descaradamente responde: “Sou eu por acaso o guarda de meu irmão?”. Sim, cada um de nós é chamado a ser defensor da vida e incolumidade de seu semelhante.

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No dia 4 de fevereiro de 2019, em Abu Dhabi (Arábia Saudita), Papa Francisco assinou uma declaração histórica, “Fraternidade universal”, junto com o Íman de Al-Azhar, Ahuad Al Tayyyeb, chefe espiritual de todo o mundo muçulmano. Neste encontro, os dois líderes se comprometeram, como filhos do único Deus, a implementar no mundo a fraternidade no sentido mais amplo, tendo como centro de seus esforços a promoção da dignidade humana, a partir das classes sociais descartadas e dos povos mais pobres e a combater o racismo, o nacionalismo e o colonialismo, causa de conflitos e guerras.

Papa Francisco, inspirando-se nesta “Declaração”, afirma: ”O egoísmo atrofia e bloqueia o que há em nós de mais fundamental: a capacidade de fazer o dom da nossa vida aos outros”.

A parábola do Bom Samaritano (Lc 10, 25-37) desenha o retrato do próprio Cristo e revela a vocação mais profunda do ser humano: ele foi feito para amar, pois amar é a essência e a originalidade do ser humano; é a sua mais árdua, secreta e profunda aspiração: fica frustrado se não se abrir a Deus e aos seus próximos.

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É mais precioso aos olhos de Deus uma migalha de amor, do que a conquista do mundo inteiro. Jesus, o Filho de Deus, lavou os pés aos seus discípulos e deu a ordem de fazer o mesmo. A fraternidade –diz o Papa– tem seu desdobramento na “amizade social”. A pandemia demonstra que a humanidade é incapaz de sair desta tragédia, como a da pobreza e da miséria, sem somar forças e sem colocar “os descartados” –povos e categorias sociais– no centro de seus planos.

A palavra “fraternidade” é profundamente evangélica; a Revolução Francesa de 1789 a fez sua, mas, logo após a esqueceu e a cancelou da vida social, substituindo-a com a palavra fraca “solidariedade”. Enquanto a solidariedade permite aos desiguais serem iguais, a fraternidade faz muito mais: além da igualdade, preserva a diversidade com a riqueza de suas diferentes tradições culturais.

A fraternidade permite a cada pessoa ser reconhecida na sua dignidade humana e valorizada por si mesma, e não pela sua raça, cor, língua, ou classe social. A carta é composta de 18 capítulos e recorda, enfim, uma palavra do grande escritor brasileiro, Vinício De Morais: “A vida é a arte do encontro, nos desencontros da vida”.

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