DANIELA ARCANJO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Desde 1995, quando a primeira lei de cotas para candidatura feminina foi adotada no Brasil, um antigo problema é alvo de debate: a formação política das mulheres.
Como resolver a discrepância de gênero nos cargos eletivos se as próprias organizações onde surgem os políticos brasileiros são predominantemente masculinas?
Diante dessa lógica, a parcela feminina da população não estará devidamente representada entre políticos de um futuro próximo.
Levantamento da Folha de S.Paulo entre juventudes de partidos políticos, grêmios estudantis e escolas de formação política indica que as mulheres permanecem sub-representadas na maioria dos cargos de liderança desses espaços.
De 12 organizações hierárquicas (com cargos como presidente ou diretor) consultadas pela reportagem, apenas 3 são lideradas por mulheres. Elas estão em pouco mais de um terço dos cargos de executivas das juventudes –nacional, do estado e do município de São Paulo– ou coordenações de movimentos sociais.
Se somar também outras entidades sem essas relações de subordinação, em 7 de 19 consultadas as mulheres ocupam postos em igual ou maior número que os homens.
O MDB apresenta um dos casos mais discrepantes. Na executiva nacional da juventude da sigla, há 33 homens e 4 mulheres. Na estadual, porém, os números quase se igualam: são 8 homens e 7 mulheres.
Os esforços de renovação da sigla para modernizar respingam nessa questão. Uma das vitrines do partido é a executiva nacional, cujo número de mulheres dobrou no ano passado.
João Doria (PSDB), governador de São Paulo, também tem investido nesse discurso. O PSDB, segundo ele, deve ser “cada vez mais o partido dos jovens e das mulheres”.
“As mulheres têm aquilo que nós, homens, não temos. Elas têm de sobra a sensibilidade e isso é essencial para cuidar do povo, dos mais simples, dos desvalidos”, afirmou o tucano em seminário do partido de dezembro de 2019.
O comando estadual da juventude da sigla, porém, tem só uma mulher, ante oito homens. Trata-se de Kelly Mantovani, 25, que, apesar disso, diz não encarar a solidão negativamente. “Não vejo como problema, eu vejo como avanço. Não por ser a única mulher, mas pelo fato de as mulheres ganharem espaço no partido.” A jovem, com cargo de tesoureira na juventude do PSDB, diz que a sigla tem 30% de mulheres no diretório municipal.
Na diretoria da UNE (União Nacional dos Estudantes) há 8 homens e 10 mulheres. Uma delas é a estudante e atriz Fabiana de Amorim, diretora de Cultura da organização.
Ela faz parte do Juntos!, coletivo de jovens ligado ao PSOL. A instância nacional do grupo tem o dobro de homens em relação às mulheres. Fabiana diz que a diferença foi por acaso e que, nos estados, o coletivo tem forte presença feminina. O que não evitou certo desconforto nos participantes.
“Essa coordenação foi formada há dois anos. Assim que nós juntamos as pessoas e sentamos dentro de uma sala, percebemos que tínhamos um problema. É algo em que nós queremos avançar”, diz.
Quanto ao apoio da ala masculina para essas mudanças, a estudante adota fala otimista. A geração que chega, afirma Fabiana, tem mais atenção para pautas feministas.
Isso seria parte da explicação, segundo ela, de um fenômeno que a reportagem identificou: a presença maior de mulheres em espaços políticos menos influentes.
Os grêmios consultados, por exemplo, têm mais participação feminina. “Isso tem a ver com a forma como a gente pensa a política e como ela é formada no país. A política institucional, o poder, é masculino”, afirma a jovem.
Entre os grêmios, um exemplo é o da Escola Estadual Dom Pedro 1º, de São Paulo. Na chapa atual, há 21 meninas e 15 meninos. Fernanda Adão, uma das integrantes da organização, afirma que a composição majoritariamente feminina não foi de caso pensado. Segundo ela, as meninas são mais participativas.
“Nada foi imposto, elas tomaram os próprios espaços delas e nós sempre incentivamos as meninas a assumir postos de liderança”, diz.
Na Umes (União Municipal dos Estudantes Secundaristas), há paridade: são 11 homens e 11 mulheres. A organização é o braço municipal da Ubes (União Brasileira de Estudantes Secundaristas), que tem 7 mulheres em seus 15 cargos disponíveis. Uma delas é Maria Clara Arruda, diretora de Mulheres da união.
Mulheres nos cargos decisórios fazem diferença, segundo ela. Em 2018, a Ubes pleiteou a licença maternidade para alunas gestantes. “Antes, isso era decidido com a escola, mas nada estabelecido por lei.” A medida aprovada definiu o período de seis meses de licença.
Estudar as demandas e aprender a negociar e debater foram justamente as principais lições políticas que ficaram para Ana Julia Ribeiro das ocupações dos secundaristas de 2016. Então com 16 anos, a curitibana ficou famosa por um discurso na Assembleia Legislativa do Paraná, que ocorreu em meio à mobilização nacional estudantil para barrar diferentes medidas de governos estaduais e do governo federal.
“Digo com tranquilidade que hoje nem os partidos, nem os movimentos sociais e nem as escolas dão para os estudantes a formação que um movimento como o de 2016 deu”, diz ela.
Hoje filiada ao PT e ativa na juventude do partido, a jovem diz que pretende se candidatar ao cargo de vereadora nas eleições de 2020. Mas não dá certeza. “Eu aprendi a construir um processo coletivo e valorizo muito isso. Então eu só vou colocar o meu nome à disposição quando construir um movimento que entenda o debate que a gente faz, de democracia participativa, emprego para a juventude e tudo mais”, afirma.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here