IDIANA TOMAZELLI E NICOLA PAMPLONA
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Uma proposta do governo Jair Bolsonaro (PL) para mudar o cálculo de royalties do petróleo três anos antes do previsto pode gerar uma nova guerra judicial com as petroleiras que operam no país, como ocorreu em 2017.

O governo defende que a medida eleva as receitas de estados e municípios produtores e destrava o processo de venda de refinarias da Petrobras, agenda prioritária para o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida.

As petroleiras, porém, reclamam que a antecipação da revisão gera instabilidade regulatória e estudam ir à Justiça contra a proposta, que aproxima o preço de referência usado na cobrança dos royalties às cotações internacionais do petróleo.

O efeito mais visível da mudança é elevar a arrecadação com o petróleo em ao menos R$ 6 bilhões ao ano a partir de 2023. Mas há também um impacto tributário, que tornaria a venda doméstica do petróleo mais atrativa, que atende interesses da maior refinadora privada brasileira e de potenciais investidores em refinarias.

Quando o petróleo é vendido dentro do Brasil, o imposto incide sobre o valor da venda, que reflete as cotações internacionais do petróleo. Já nas exportações, a cobrança é aplicada usando o preço de referência, que é menor.

Na prática, vender para fora do país permite às petroleiras pagar menos tributo e ampliar sua lucratividade. A mudança no preço de referência atenuaria essa vantagem.

Em junho deste ano, a Acelen, dona da Refinaria de Mataripe, chegou a procurar o ministro Paulo Guedes (Economia), aliado de Sachsida, para pedir uma solução para o problema. A empresa disse que o preço cobrado pela Petrobras superava em US$ 2 o valor cobrado por barril nas exportações da petroleira.

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Em agosto, Bolsonaro editou um decreto para antecipar a revisão de cálculo dos royalties, que estava prevista apenas para 2025, com início de vigência em 2026. Em seguida, segundo relatos feitos à Folha de S.Paulo, o MME encaminhou um ofício à ANP pedindo a análise do tema.

A proposta de mudança no cálculo dos royalties surpreendeu o mercado de petróleo, que alega que a mudança de regras prejudica investimentos já contratados e reduz a previsibilidade para projetos futuros, já que o governo não impôs um prazo mínimo entre revisões dos preços de referência.

Já as pequenas petroleiras reclamam que a proposta elaborada pela ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis) contraria determinação do próprio governo de incentivar a produção em projetos de menor porte.

A Petrobras foi fundamental para a implantação do curso de Engenharia de Petróleo no Ceunes e fez parceria para a instalação de uma Sonda Escola no Senai. Foto: Divulgação

“Muitas dessas empresas não conseguirão suportar o impacto financeiro desse aumento em suas atividades”, disse, em nota, o secretário-executivo da Abpip (Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Petróleo e Gás), Anabal Santos Jr.

As companhias questionam ainda a afirmação de que terá efeitos sobre as exportações, já que as vendas internas são encarecidas pelo ICMS, que não incide nem em exportações nem em importações de petróleo.

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Os royalties são uma compensação financeira pela extração de recursos naturais, paga à União e aos municípios e Estados produtores. São calculados sobre o preço de venda da produção ou sobre um preço de referência estabelecido pela ANP, o que for maior.

Em 2021, as petroleiras recolheram o valor recorde de R$ 78,4 bilhões em royalties e participações especiais, espécie de imposto de renda cobrado sobre os grandes campos. No primeiro semestre de 2022, com o petróleo em alta após o início da guerra na Ucrânia, a arrecadação somou R$ 51 bilhões.

O preço de referência simula o valor de cada tipo de petróleo extraído no país de acordo com a variedade de combustíveis que ele produz. Se um petróleo é mais leve, produz derivados de maior valor agregado e, portanto, deve custar mais caro.

Para justificar a antecipação da revisão do preço de referência, o governo alegou que o cenário mudou com a pandemia, a guerra na Ucrânia e com maiores restrições às emissões de enxofre pelo transporte marítimo, o que valorizou o petróleo do pré-sal (que tem baixo teor dessa substância).

No entanto, pessoas envolvidas na discussão admitiram à Folha de S.Paulo, sob condição de anonimato, que a proposta é fundamental para a privatização das demais refinarias da Petrobras, agenda que está na lista de prioridades de Sachsida.

A dificuldade de acesso à matéria-prima e a falta de contratos de suprimento são pontos levantados por investidores que chegaram a negociar com a estatal. A Petrobras colocou oito refinarias à venda, mas só conseguiu avançar em duas, em Manaus e na Bahia.

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Procurado, o MME não respondeu a questionamentos sobre impactos da mudança na venda das refinarias. A pasta encaminhou uma nota, publicada em agosto, em que afirma que a revisão do cálculo dos royalties “garante o adequado retorno para a sociedade sobre a produção dos recursos petrolíferos nacionais”.

“A medida mantém a governança, segurança jurídica e previsibilidade do processo regulatório, que são forças motrizes para atração de investimentos e desenvolvimento da produção petrolífera brasileira”, disse a pasta. A nota também elenca os fatores técnicos que subsidiaram a proposta de alteração.

O cálculo dos royalties foi revisto pela última vez em 2017, com vigência a partir de 2018, também com o objetivo de reduzir o desconto entre o preço de referência e a cotação do Brent, referência mundial de preços negociada em Londres.

O processo foi conturbado, alvo de ações judiciais das petroleiras e do próprio governo federal, mas acabou sendo concluído por força de liminar judicial pedida pelo governo do Rio de Janeiro, principal beneficiado.

O governo Michel Temer (MDB) cedeu à pressão de petroleiras e criou um período de transição para a adoção da nova fórmula, além de impor um prazo mínimo de oito anos para nova revisão, o que foi desfeito com o novo decreto de Bolsonaro.

Acelen e IBP (Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás), que reúne as grandes petroleiras, não se manifestaram.

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