CARLOS PETROCILO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “As pessoas me olham de um jeito que parece que sou o vírus”, disse Carlos Augusto Moreira, de 32 anos. Há nove ele deixou a casa dos pais e foi morar na região da Cracolândia, no centro da cidade de São Paulo.
Usuário de álcool e drogas, ele contou com a ajuda de outro colega para conseguir pagar o seu almoço no Bom Prato no bairro dos Campos Elíseos, na terça (31). “Eu não consegui fazer R$ 1 durante toda a manhã.”

Foto: Arun Sharma/Hindustan Times via Getty Images

A determinação para população ficar em casa, diante da pandemia do coronavírus, não é válida para 24,3 mil pessoas em São Paulo. São moradores em situação de rua, segundo o último censo da prefeitura, feito no ano passado. Os dados, de 2019, mostram que 85% são homens, com idade média de 41 anos.
“Quem mora na rua vive pela fé”. William Barrela tem 40 anos e nos últimos oito tem vivido na companhia do amigoLima, ou Neguinho, debaixo de pedaços de lonas na avenida Duque de Caxias.
Costuma dizer que o seu ponto de trabalho é no cruzamento da São João com a própria Duque de Caxias. Lá pede esmolas, moedas ou cigarro, diariamente. “Ultimamente, está mais fácil pedir cigarro. Os poucos que abrem o vidro têm medo de tocar na gente”, disse Barrela.
No último dia 23, ele chegou ao cruzamento pouco depois das 7h e até o meio-dia havia arrecadado R$ 4,50.
“[Antes do coronavírus], até semana passada conseguia ainda fazer R$ 40 por dia”, disse Barrela. “Eu tento ter alegria, quem mora na rua vive pela fé e não tem medo do que vai acontecer amanhã.”
“Eu fui pedir ajuda para um casal. O homem berrou para eu não me aproximar da mulher porque transmito doença. Eu também o discriminei, falei que os doentes são eles”, contou Lima.
A Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social do município tem 17,2 mil vagas para acolher os moradores diante de uma população de 24,3 mil. É o maior número de pessoas nessa condição desde quando a Secretaria da Assistência Social da cidade passou a fazer o levantamento.

Foto: Reprodução

Procurada pela reportagem, a assessoria de imprensa da prefeitura disse que providenciou seis novos equipamentos para acolhimento desse público e um centro de acolhimento na Vila Clementino, zona sul da cidade, para abrigar somente moradores em situação de rua diagnosticado com a Covid-19.
A.F.F tem 60 anos e, depois do fim do casamento, fechou sua oficina de funilaria e trocou sua casa na Grande São Paulo pelas ruas da capital. Há dois meses perdeu parte da visão, por conta de uma úlcera no olho direito, e não consegue mais bicos em oficinas.
Depois de uma bebedeira no último domingo, deitou para descansar na avenida São João, sob cobertura do elevado Costa e Silva, e quando acordou se deu conta que havia perdido sua única mala –com roupas, calçado e documentos.
“O único jeito é pedir esmola nas ruas, no comércio, mas nem sei como vou sobreviver. Ontem eu liguei no 156 e pedi para ser encaminhado para um abrigo, apesar de preferir morar em pensões baratinhas mesmo”, disse o funileiro –que pediu para o nome não ser revelado por conta dos seus familiares.
Dos seus sete irmãos, seis estão no Paraná e ele não teve mais contato com os três filhos. “A mais velha fez aniversário no dia 23. Perder a família é a parte pior. Não quero dar trabalho para ninguém”, conta ele, com lágrimas nos olhos, sob o Minhocão.
Diante do terminal da Lapa, na zona oeste, um grupo de moradores em situação de rua aborda transeuntes. “Tem que ser no olho no olho, porque na rua não abrem nem o vidro com medo da gente”, disse Nelson Ned Alves Barbosa, 39.
No outro lado da rua, Flávia Isadora apelava para Deus. “Me dá uma ajuda, assim como Deus vai te abençoar?”, dizia a travesti enquanto abordava clientes de um supermercado.
“Eu já consegui ganhar R$ 100 por dia, em dezembro do ano passado aqui neste mesmo lugar. Agora as pessoas nem olham para falar um ‘não’.”
Flávia tem 25 anos e aos 15 saiu de casa porque quer ser independente. Aos 18, deixou o Ceará e mudou para São Paulo, onde também faz programa.
“Eu estou sempre pela República, Santa Cecília, mas me falaram que o preconceito com quem está no centro está maior, tudo igual.”
Mércia Gomes da Silva, psicóloga e professora universitária, disse que autoridades deveriam promover uma série de medidas para essa população. Segundo ela, moradores em situação de rua habitam o imaginário da população em geral como pessoas que vão trazer o terror, o medo, a violência.
A pandemia de Covid-19, segundo ela, não é motivo para o público procurar distanciamento. “Não estou desvalorizando a importância do trabalho caritativo, mas o estado precisa de medidas para mudar a situação social e econômica deles”, disse Silva. ”
Há também a falta de atividade econômica. Comércios na região central praticamente pararam desde o dia 20.
Desde terça, policiais passaram a fazer ronda. Aqueles que não são trabalhadores na lista de serviços essenciais, como profissionais da saúde, funcionários de supermercados e motoristas de táxis ou aplicativos, eram obrigados a tomar o rumo de casa.
Diego Nogueira, motorista de Uber, disse que desde a semana passada não consegue arrecadar mais que os R$ 150 necessários para cobrir suas despesas. “A prestação do meu carro venceu há quatro dias e não tenho perspectiva de pagá-la, algo inédito para mim. Estou sem um rumo, não sei se paro ou continuo.”

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