LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Imagine se você pudesse separar completamente a sua vida pessoal do trabalho -e nunca mais ter de se preocupar com a entrega de algum relatório enquanto vê TV em casa ou então com algum problema amoroso enquanto está no escritório. Parece o mundo dos sonhos, embora a nova série “Ruptura” tente provar que o arranjo está longe de ser benéfico.

Produzida e dirigida por Ben Stiller para o Apple TV+, a trama que estreia agora acompanha o dia a dia na Lumen Industries, uma empresa gigantesca que cria uma tecnologia capaz de ligar ou desligar as partes do cérebro relacionadas ao trabalho e ao lazer.

Tudo graças a um procedimento cirúrgico ao qual novos funcionários são submetidos. Quando eles chegam para trabalhar, todas as memórias não relacionadas à labuta são comprimidas e é como se a pessoa em questão criasse uma nova personalidade, sem ter lembranças de sua família, por exemplo. Quando sai, ela tampouco reconhece os colegas de trabalho na rua.

Foto: Instagram / @benstiller

A discussão sobre a separação entre vida pessoal e trabalho feita por “Ruptura” parece especialmente atual na ressaca pandêmica, já que a Covid-19 foi responsável por bagunçar as fronteiras entre as duas coisas, com gente trabalhando de casa por meses e reuniões por vídeo sendo interrompidas por emergências domésticas -tipo de problema do qual nem celebridades como Stiller escaparam.

“A maneira como a nossa vida se transformou no período em que passamos desenvolvendo a série mudou completamente a nossa relação com o trabalho, agora mais misturado à nossa vida pessoal”, afirma o produtor e diretor de “Ruptura”, emendando que cerca de 80% da montagem da série foi feita remotamente.

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“Eu colocava meu filho na cama, ligava para o meu editor e nós combinávamos que trabalharíamos por cerca de uma hora, uma hora e meia, montando os episódios. O fato de estarmos trabalhando e de repente nos virarmos para falar com a nossa família pode ser esquizofrênico às vezes. É como se vivêssemos duas realidades, com uma tentando se sobrepor à outra. É estranho, todos nós tivemos que aprender a organizar nossas vidas de uma maneira nova.”

“Ruptura” traz esses e outros questionamos ao acompanhar Mark, personagem de Adam Scott, que perdeu a mulher há pouco e decidiu se juntar à Lumen para poder escapar do luto por algumas horas diárias. Quando o chefe de seu departamento é misteriosamente desligado da empresa, ele precisa treinar uma novata, que, depois de passar pelo procedimento cerebral, cria uma persona que quer, a todo custo, escapar do novo emprego.

O que se segue é uma série de debates sobre a ética da “ruptura” -defendida por alguns personagens e abominada por vários outros, que alegam que ambições capitalistas estão tomando posse da mente das pessoas- e também sobre a importância das nossas lembranças, boas ou traumáticas, como a maioria das de Mark, na construção de quem nós somos.

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“Como toda boa ficção científica, ‘Ruptura’ é um reflexo de onde nós estamos agora enquanto sociedade e também nos permite dar uma olhadinha no futuro que talvez nos aguarda”, diz Scott, que já frequentou escritórios na série “Parks & Recreation”. “A ‘ruptura’ apresenta uma possível solução para o burnout e outros dilemas trabalhistas que enfrentamos na vida real, mas leva isso para um nível muito além.”

“Ruptura”, no entanto, não se relaciona com a realidade só por questionar a delicada balança sobre a qual vida pessoal e trabalho se equilibram.

Com a Lumen Industries, que tem personagens vividos por Patricia Arquette, Christopher Walken e John Turturro entre seus recrutas, a série traça também um paralelo com o mundo das megacorporações, que controlam diversos aspectos das nossas vidas usando tecnologias inovadoras e um farto leque de atuação -a própria Apple, nem é preciso lembrar, tem um domínio que vai muito além das fronteiras do streaming e do entretenimento.

Adam Scott lembra Elon Musk como um personagem que poderia muito bem ter saído das trincheiras da Lumen. Com uma fortuna construída graças a investimentos que vão de carros ao turismo espacial, o bilionário trabalha agora num chip cerebral que, a princípio, teria funções médicas -nem por isso o ator deixa de classificar o projeto de “assustador, bizarro e inquietante”.

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“Mas há várias coisas que a princípio nos causam estranheza. Se, quando era adolescente, alguém me dissesse que eu teria um dispositivo no meu bolso capaz de acessar todo o catálogo de filmes do mundo ou todas as músicas dos Beatles, eu não acreditaria, diria que é pura ficção científica. Então talvez não estejamos tão longe de bifurcar o nosso cérebro.”

Com nove episódios e uma possível segunda temporada no horizonte, “Ruptura” é mais uma trama produzida ou dirigida por Ben Stiller, mas na qual ele não atua. Não há nem mesmo uma participação especial. O americano tem investido intensamente em sua carreira nos bastidores nos últimos anos, trabalhando em histórias tão díspares quanto a minissérie “Escape at Dannemora”, indicada a 12 prêmios Emmy, e o filme “Alex Strangelove”, um romance adolescente bobinho.

“Eu não quis atuar em ‘Ruptura’ porque, na verdade, eu não tenho feito isso há um tempo, atuar e dirigir. Eu gosto de não ter que fazer as duas coisas e aproveitar o tempo numa única função”, diz ele. E não adianta criar uma tecnologia capaz de separar o Ben Stiller ator do Ben Stiller produtor-diretor -se a “ruptura” existisse, ele deixa bem claro que não gostaria de se voluntariar para o procedimento.

RUPTURA
Quando: Estreia nesta sexta (18), no Apple TV+
Elenco: Adam Scott, Patricia Arquette e Christopher Walken
Produção: EUA, 2022
Criação: Dan Erickson

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