Por Luís Eduardo Leal, Antonio Perez e Denise Abarca – Estadão Conteúdo

Apesar da intervenção do Banco Central, com venda de US$ 1 bilhão de swaps cambiais, e do recuo global do dólar, o real apresentou fôlego bem reduzido na sessão desta terça-feira, 2. Operadores afirmam que a busca por proteção cambial no segmento futuro, em razão de fatores técnicos e de ruídos políticos domésticos, prejudicam o desempenho da moeda brasileira.

Com mínima a R$ 5,0231, pela manhã, e máxima a R$ 5,0628, o dólar à vista encerrou cotado a R$ 5,0583, praticamente estável (-0,02%). Após subir 3,34% no primeiro trimestre, a moeda apresenta valorização de 0,86% nos dois primeiros pregões de abril, o que leva os ganhos acumulados no ano para 4,22%.

O real amargou, de longe, o pior desempenho entre seus pares. Os pesos chileno e colombiano subiram mais de 0,90% em relação ao dólar, enquanto o peso mexicano exibiu ganhos ao redor de 0,30%. Termômetro do desempenho da moeda americana em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY caiu cerca e 0,20%, mas manteve-se em nível elevado, ao redor dos 104,800.

“O desempenho do real é preocupante. Tem a questão técnica, mas também a percepção de uma piora da qualidade da política econômica e a tentativa de ingerência em empresas, o que aumenta a percepção de risco”, afirma o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, ressaltando que crescem os temores de que o governo aumente os gastos após a queda de popularidade do presidente Lula.

Na parte técnica, o real é pressionado pelo vencimento, em 15 de abril, de mais de US$ 3,5 bilhões em NTN-s A3, títulos corrigidos pela variação da cotação de venda do dólar. Na prática, que tem esses papéis está “comprado em dólar”. Quando os títulos vencem, os detentores podem ir ao mercado para recompor sua posição, o que aumenta a demanda por compra no mercado futuro.

Ontem, no comunicado do leilão adicional de swap cambial, o BC informava que iria atuar para suprir a “demanda por instrumentos cambiais resultantes dos efeitos do resgate de NTN-A3”. A entrada de um comprador relevante poderia gerar disfuncionalidades no mercado e provocar uma escalda da taxa de câmbio. Caso o ambiente global fosse de dólar fraco, talvez os efeitos do vencimento das NTN-A3 fossem absorvidos sem sobressaltos pelo mercado cambial.

“O Banco Central colocou US$ 1 bilhão em swap hoje. Como o vencimento das NTN é de mais de US$ 3,5 bilhões é provável que ele entre outra vez no mercado para suprir essa demanda. O mercado deve tentar a paciência do BC”, afirma Borsoi.

Apesar do recuo do índice DXY hoje, o ambiente global ainda é de um dólar forte e taxa dos Treasuries em níveis elevados. A taxa da T-note de 10 anos subiu mais de 1% hoje e, na máxima, tocou o nível de 4,40%, maior nível desde novembro de 2023.

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Dados divulgados hoje atestaram a força da economia americana. As encomendas à indústria nos EUA subiram 1,4% em fevereiro, acima do previsto pelos analistas. O relatório de emprego Jotts mostrou que a abertura de postos de trabalho avançou de 8,748 milhões em janeiro para 8,756 milhões em fevereiro, praticamente em linha com o esperado (8,770 milhões).

Com direito a voto nas decisões de política monetária nos EUA, a presidente do Federal Reserve de Cleveland, Loretta Mester, afirmou que precisa de mais sinais sobre a trajetória de antes de decidir para corte de juros – e que não espera ter o nível necessário para tomar tal decisão na reunião do Fed marcada para 1º de maio.

Ibovespa

O Ibovespa conseguiu firmar sinal positivo no meio da tarde, descolando-se de mais um dia ruim em Nova York em meio ao prosseguimento da pressão sobre os rendimentos dos Treasuries. O desempenho do setor de commodities, com o avanço no preço do minério na China e do petróleo em Londres e Nova York, levou o índice da B3 a tocar máxima da sessão a 127.654,04, e fechar com ganho de 0,44%, aos 127.548,52 pontos. Petrobras teve forte alta, de 2,72% (ON) e de 2,58% (PN), e Vale ON, de 1,18%. Outra empresa de peso no índice, Bradesco, também conferiu dinamismo ao Ibovespa à tarde, mas fechou em alta moderada, de 0,57% (PN) e de 0,56% (ON).

O giro subiu um pouco nesta terça-feira, a R$ 21,4 bilhões, após ter ficado abaixo de R$ 20 bilhões ontem. Nas duas primeiras sessões de abril, o Ibovespa ainda acumula perda de 0,44% e, no ano, cede 4,95%. “O dia foi muito puxado pelas ‘large caps’, as empresas de grande capitalização de mercado, em especial Vale e Petrobras, e não tão bom para as empresas menores, que têm refletido a cautela maior desde o exterior”, diz Yan Vasconcellos, sócio da One Investimentos.

Na ponta do índice na sessão, destaque para Lojas Renner (+3,80%), com recomendação de compra feita pelo Bank of America (BofA), à frente de Engie (+2,76%) e de Petrobras. Outra petroleira, 3R Petroleum (+0,73%), foi destaque positivo na maior parte da sessão, mas perdeu força rumo ao fechamento. Durante o pregão, a empresa atingiu seu maior patamar de mercado desde agosto, com a proposta que sinaliza avanço na combinação de negócios com a Enauta, anunciada no fim da noite de ontem, tendo a princípio agradado aos investidores.

No lado oposto da carteira nesta terça-feira, PetroRecôncavo (-9,02%), Azul (-2,85%) e Vamos (-2,66%). O descolamento de PetroRecôncavo decorreu de a 3R ter brecado as negociações sobre junção com a empresa, priorizando agora a proposta da Enauta para a combinação de negócios.

O Bank of América listou seis sinergias em potencial caso seja bem-sucedida a proposta de fusão entre Enauta e 3R Petroleum. Além disso, o banco reiterou a recomendação de compra para as duas empresas, destacando que a união entre essas ‘junior oils’ poderia criar uma nova petroleira com produção de mais de 120 mil barris de óleo equivalente por dia a médio prazo, em conjunto com uma reserva de 700 milhões de barris, reporta Jorge Barbosa, do Broadcast.

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Até o meio da tarde, o Ibovespa tendia a uma inclinação negativa moderada, acompanhando à distância perdas então acima de 1% para os três índices de referência em Nova York – no fechamento, destaque para a queda de 0,95% no Nasdaq e de 1,00% no Dow Jones No exterior, o dia foi ainda marcado pelo avanço nos rendimentos dos Treasuries longos, após novos dados americanos terem mostrado desempenho acima do esperado, como ontem, reforçando as dúvidas quanto ao início do ciclo de cortes de juros do Federal Reserve – que o mercado vinha precificando recentemente para junho.

As dúvidas foram reforçadas ainda no começo da tarde, pressionando em especial a ponta longa da curva de juros americana, em razão de comentários da presidente do Federal Reserve de Cleveland, Loretta Mester. Ela chamou atenção para os dados de inflação do começo do ano, e apontou que o maior risco, no momento, seria relaxar a política monetária prematuramente.

“As commodities – de que o Brasil é um grande exportador – têm sido um fator-chave para o desempenho do Ibovespa, mas o aumento dos juros futuros, especialmente nos Estados Unidos, pode levar a uma fuga de capitais dos mercados emergentes, como o Brasil, para investimentos mais seguros em economias desenvolvidas – com efeitos para o câmbio e para as ações de empresas brasileiras”, aponta Nilson Marcelo, analista quantitativo da CM Capital. “As expectativas em relação à política monetária americana estão em constante mudança, o que adiciona uma camada de incerteza ao mercado.”

“O Ibovespa conseguiu uma alta tímida hoje, muito por conta do peso que Vale e Petrobras têm no índice”, diz Daniel Teles Barbosa, especialista da Valor Investimentos. “O índice operou no campo negativo a maior parte do dia, mas depois oscilou para cima, levemente, com Vale e Petrobras em linha com o desempenho positivo das commodities”, observa Leticia Cosenza, sócia e especialista da Blue3 Investimentos, destacando também o noticiário corporativo, com efeito para ações como as de Lojas Renner e 3R Petroleum, componentes do Ibovespa.

“No macro, houve a intervenção do BC no câmbio, com recursos novos pela primeira vez em mais de um ano”, acrescenta o analista. Assim, a estabilização do câmbio em torno de R$ 5,05, em dia de injeção de recursos novos pelo BC via swap, também contribuiu para a leve retomada do Ibovespa na sessão.

Juros

Os juros futuros fecharam em alta nesta terça-feira, completando, no caso dos vencimentos intermediários e longos, a quinta sessão consecutiva de avanço. O fator gerador de pressão segue o mesmo dos últimos dias: as incertezas relacionadas à política monetária nos Estados Unidos, após novas declarações de dirigentes do Federal Reserve e dados mostrando atividade aquecida. Os yields dos Treasuries continuaram subindo, carregando junto as demais curvas. Embora o ambiente internacional tenha sido predominante, os ruídos domésticos também trazem desconforto para a exposição ao risco prefixado.

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No fechamento, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2025 estava em 9,945%, de 9,920% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2026, em 9,97%, de 9,93% ontem O DI para janeiro de 2027 projetava taxa de 10,27% (de 10,21%) e o DI para janeiro de 2029, taxa de 10,81%, de 10,74%.

O mercado deu sequência ao movimento de ontem, com alta nos juros desde cedo – nas mínimas, as principais taxas não passaram da estabilidade. A curva dos Treasuries seguiu como referência central para as taxas locais. O rendimento da T-note de 10 anos bateu na máxima os 4,4%, não vistos desde novembro. Ainda que hoje o relatório Jolts tenha indicado criação de vagas aquém do esperado em fevereiro, as encomendas à indústria americana subiram mais que o previsto, embora o dado referente a janeiro tenha sido revisado em baixa.

A presidente do Fed de Cleveland, Loretta Mester, alertou que seria um risco neste momento relaxar a política monetária de forma prematura. A presidente do Fed de San Francisco, Mary Daly, disse não haver urgência para cortar juros, diante da posição da economia americana no momento. A dirigente sublinhou que a inflação está caindo, mesmo que lentamente, enquanto o mercado de trabalho e o crescimento econômico continuam fortes. Ambas têm direito a voto nas reuniões deste ano.

Para o estrategista de renda fixa da BGC Liquidez Daniel Leal, a curva do DI não terá alívio enquanto não houver uma maior clareza com relação à política de juros nos EUA. “Não tem como a Selic cair muito se lá fora não melhorar, em função do diferencial de câmbio. Se a taxa aqui chegar a 9% e a de lá permanecer entre 5,25% e 5,5%, fica difícil segurar a moeda”, explica, lembrando que nos documentos recentes o BC indicou que seus modelos trabalham com um câmbio em torno de R$ 4,90. A precificação da curva nesta tarde, de 9,80%, já apontava Selic terminal acima de 9,75%.

Internamente, a agenda do dia trouxe a pesquisa Focus com mudanças marginais, mas o noticiário fiscal segue incomodando o mercado. “O DI foi junto com o exterior, mas aqui também a gente não se ajuda”, diz Leal, citando por exemplo a revogação da reoneração da folha de pagamentos dos municípios pelo presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Foto do destaque: Pixabay
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