CRISTINA PADIGLIONE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Beijo na boca realizado por meio de computação gráfica é opção fora da cartilha de José Luiz Villamarim, 57, diretor artístico de “Amor de Mãe”, principal produção na retomada das gravações na Globo. Em sua primeira entrevista após a reabertura dos estúdios, que permaneceram cinco meses fechados em razão da pandemia,
Villamarim conta que vai confinar em hotel os atores envolvidos em cenas de contato físico.
A Covid-19 foi incorporada ao enredo de Manuela Dias, que já entregou boa parte dos 23 capítulos finais da trama. Os personagens usarão máscaras quando forem às ruas. “É uma novela realista, não é virtual.”
No set, elenco fará testes semanais de Covid-19, e no protocolo traçado para evitar infecções, a novela será toda filmada antes de voltar em 2021.
Folha – Como vem ocorrendo esse recomeço?
Villamarim – Começamos com [cenas] externas, gravações mais simples, com todo mundo tendo um entendimento sobre como gravar. Decidimos começar bem devagar para a equipe ir se acostumando, testando e vendo como avançar. Vou começar a ensaiar no estúdio que é, do ponto de vista de protocolo, o que tem que ter mais cuidado, do cenário da Lurdes [papel de Regina Casé].
Folha – Como manter distanciamento naquele cenário tão pequeno?
Villamarim – São várias estratégias. A gente está usando desde abrir janelas no teto do cenário, para o ar circular mais, como botar a Covid na novela. O comportamento das pessoas tem mais a ver com a realidade, é uma novela realista.
Folha – Será possível usar máscara em cena?
Villamarim – Como é a vida. Se a Lurdes for à rua, apesar do protesto dos filhos, ela vai de máscara. Dentro de casa, não usa máscara porque está convivendo com aquelas pessoas no dia a dia. A novela continua sendo baseada em fatos reais.
Folha – A novela teria no mínimo mais 50 capítulos e vai ter só mais 23. Por que a redução?
Villamarim – A gente trabalhou com números variados e a partir do estudo do protocolo, da dificuldade de realização e a questão do risco. A Regina [que tem 66 anos] faz parte do grupo de risco, como outras pessoas, e a gente decidiu, como controle de qualidade, de segurança, que o melhor número para nós era 23. A gente consegue contar essa história e não ficar tanto tempo expondo os atores e a equipe ao risco. É um tempo bom para a novela e serve como “case” para outras novelas, porque a gente está fazendo pesquisas de possibilidades de linguagem, de utilização de equipamentos, de pós-produção e outras decisões.
Folha – Podemos esperar que a pós-produção realize beijos que não acontecerão nas gravações presenciais?
Villamarim – Não. O beijo a gente vai realizar. Vou confinar as pessoas para fazer cenas de beijo, mas não faço confinamento durante todo o período da novela porque as pessoas têm família, têm que ficar em casa, a gente está vivendo em outro planeta. Estou elegendo momentos em que preciso de contato físico. A partir disso, a gente faz exame, confina o ator, faz novo exame e grava, se estiverem bem.
Folha – Dois testes e um confinamento de qual duração?
Villamarim – Não passando de dez dias. Estou contando com pós-produção, mas a pós-produção inviabiliza algumas coisas. A rodoscopia demora muito, o chroma [fundo utilizado na gravação para recortar imagens que ganharão outro fundo em cena] é perigoso ficar falso, mas alguma coisa pequena estou tentando. É o que eu chamo de trucagem. É como filmar hitchcockianamente, brincando. A gente quer evitar a pós-produção em excesso, a novela não foi feita para ser virtual.
Folha – O que é rodoscopia?
Villamarim – Quando você tem que recortar um braço da imagem gravada na pós-produção, por exemplo. Cinco segundos de imagem consomem 48 horas da equipe durante a pós-produção.
Folha – Quantas pessoas poderão entrar no estúdio?
Villamarim – As equipes, a gente enxugou pela metade, até mais. Como tem a Covid na história, vamos ter menos gente na rua, em cena. Temos áreas de segurança –áreas azuis, amarelas e vermelhas. A vermelha é onde tem ator, onde se tira a máscara, é superlimitada. A equipe segue todo o protocolo de roupa, máscara.
De três em três horas, paramos para comer, tomar água e trocar a máscara, tem dois metros de distância entre todos, cada um tem o seu lugar.
A temperatura de todo mundo que entra no Projac é tirada na porta. Se estiver acima de 37 graus, volta para casa e aquela frente de gravação é toda suspensa. Se houver um problema numa frente, a equipe toda entra em 21 dias de quarentena.
Folha – E o confinamento é em hotel?
Villamarim – Hotel com protocolo. A Globo fez uma pesquisa em hotéis com seus protocolos. A semana que vem a gente já começa a confinar alguns atores. Eu vou elegendo as cenas a cada capítulo que leio, vejo com a Luciana [Monteiro, produtora] o roteiro e vamos confinando.
Vocês chegaram a pensar em esperar tudo passar e voltar só depois de aprovada uma vacina?
A gente parou e não parou nunca. Traçamos cenário para voltar em junho, depois julho, final de julho e agosto. Agora achamos que é propício, mas é uma assembleia permanente, a gente redesenha tudo permanentemente.
Folha – Vocês estão testando todos os atores com qual frequência?
Villamarim – Teste semanal. A gente está filmando muito menos frentes [equipes]. A gente tem até roteiro de plano B, do tipo “se acontecer alguma coisa”, com várias
estratégias opcionais.
Folha – A novela só volta ao ar no ano que vem. Essa distância é uma precaução, como a possibilidade de alguém adoecer e vocês terem prazo para outra pausa?
Villamarim – Exatamente. A gente não pode começar uma novela nessas condições com uma certeza sobre quantos episódios precisaríamos ter para reestrear. Temos que contar com os imprevistos, tem que estar com ela finalizada para voltar.
Folha – Do que mais você teme sentir falta com as restrições em estúdio?
Villamarim – Eu dirijo encostando no ator, gosto de falar no ouvido, gosto de chegar perto, gosto da energia no set. Com certeza não vou deixar de ter, mas o nosso trabalho é humano, vamos ver como vai ser.
Ao mesmo tempo, a gente vai ter cenas remotas. A Magali Biff, que faz a Nicette, mora em São Paulo. Ela estará na casa dela e não pode encontrar com a filha. Por que não fazer então por Zoom ou Team? No caso do Irandhir [Santos, o Álvaro] não daria, ele tem muita cena. A gente vai trazer ele para o Rio e confinar no hotel.
Folha – Quem começa o confinamento?
Villamarim – O [Humberto] Carrão e o Douglas [Silva] são os primeiros que vão para o confinamento. Nessas duas primeiras semanas serão só eles. Nossa preocupação não é a produtividade, é a segurança. Parece frase de efeito, mas é verdade. A gente filmava em quatro frentes, um capítulo por dia, agora teremos duas frentes por dia, porém quantos capítulos vamos fazer por semana, só começando para saber. Toda a equipe está muito a fim de voltar.
Folha – A gente pode acreditar que o desfecho da trama será o mesmo planejado antes da pandemia?
Villamarim – Pode. A Manuela readaptou, reescreveu muita coisa, mas não mudou o arco dramático. Ela pegou um fenômeno externo, quase uma distopia, e trouxe para dentro da novela. O arco não mudou, os personagens continuam com as suas trajetórias. Tem uma linha do que o público espera e a gente vai tentar não decepcionar o público.
Folha – Vai haver criança em cena?
Villamarim – O ideal é não ter criança em cena, a gente está estudando alguns planos, talvez reservar um dia para gravar só com as crianças, aí a gente faz esses planos e depois faz a inserção nas cenas. Amor de mãe, né? Tem que ter criança.
Folha – Durante a pandemia, novos modelos de filmar e produzir foram criados. Essa percepção afetará o audiovisual na pós-pandemia?
Villamarim – Não podemos passar por isso ilesos. A questão de ter uma produção menor ou mais simples é uma possibilidade, a qualidade da imagem que a gente está conseguindo com isso também, mas as premissas do audiovisual não mudam. A gente vai ter que ressignificar isso na vida, no consumo, nas realizações, no trabalho.
Folha – Como tem visto projetos que vêm descobrindo várias opções de filmar remotamente?
Villamarim – O projeto que eu chamo de pandêmico, no sentido que a Patricia [Pedrosa] está fazendo [a série “Amor e Sorte”, da Globo], que a Joana [Jabace] fez [“Diário de um Confinado”, da Globo] e o Fernando Meirelles também fez com Antonio Prata [“Sala de Roteiro”, no YouTube], isso eu acho fascinante. É tirar proveito do que está acontecendo, é subverter.
- José Luiz Villamarim, 57 Com mais de 20 anos de carreira, é diretor artístico de ‘Amor de Mãe’ e de alguns dos projetos mais autorais da Globo nos últimos anos Além de trabalhos como a novela ‘Avenida Brasil’, foi aclamado pela crítica por ‘Amores Roubados’, ‘Justiça’ e ‘Onde Nascem os Fortes’