PAULO SANTOS LIMA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Salvo quando morrem cedo, caso de Marilyn Monroe, Heath Ledger ou James Dean, astros e estrelas de Hollywood até podem conquistar uma aura, mas jamais driblar a implacável ação escultora do tempo. Até mesmo Halle Berry, Brad Pitt, Denzel Washington e Sylvester Stallone, sempre vigorosos em cena, trazem algumas marcas que denunciam o tempo decorrido.

Mas Tom Cruise, que faz 60 anos no próximo 3 de julho, é uma espécie de entidade, o único hoje que pode ser considerado um astro da era clássica de Hollywood, quando atrizes e atores levavam o público ao cinema. Cruise é um caso ainda mais único porque, lá atrás, tivemos Bette Davis, Cary Grant, Gene Kelly e Ingrid Bergman envelhecendo em cena.

“Top Gun: Maverick” não é uma continuação, mas uma refilmagem do “Top Gun” de 1986. Uma duplicata, melhor dizendo. O Pete Maverick que aparece agora, passadas três décadas, é o mesmo do filme original dirigido por Tony Scott. Na prática, é como se o jovem Tom Cruise que chamou a atenção em “Negócio Arriscado”, de 1983, “Vidas sem Rumo”, do mesmo ano, e “A Cor do Dinheiro”, de 1986, entrasse no DeLorean do “De Volta para o Futuro” de Robert Zemeckis e viajasse no tempo.

Foto: @topgunmovie / Instagram / Divulgação

É um passeio amplo, o de Tom Cruise, com sua aparência congelada no tempo passando por quase todos os gêneros do cinema e diretores que vão de Stanley Kubrick e Brian De Palma a Steven Spielberg e Paul Thomas Anderson –e isso sem se furtar de fazer filmes comerciais mais genéricos, que inclusive mantiveram sua imagem onipresente no imaginário coletivo.

O novo “Top Gun” se ancora, sobretudo, em Tom Cruise, o astro que ainda hoje leva às salas de cinema um público menos entusiasmado com a tela grande. E que virou, quase numa fusão à David Cronenberg, o próprio corpo e alma da franquia “Missão Impossível”, mais poderosa e longeva até mesmo que a do agente 007. Depende do astro sobrenatural que, de certo modo, é a realização do sonho da indústria de cinema de Hollywood em dobrar o perecimento de seus itens mais valiosos.

Uma vez que o glamour e a referência à era de ouro virou pó, a proposta é investir num espetáculo que não carregue elementos que marquem o tempo e sua passagem -no caso, a presença humana em cena, e não à toa uma franquia como a da Marvel segue, a cada filme, sugerindo uma imortalidade.

“Top Gun: Maverick” laureia o maior (porque único) astro da Hollywood do século 21, mas acaba, mesmo sem intenção, denunciando a lógica perversa que habita boa parte do mundo, mas predomina na cultura da indústria de entretenimento americana.

Par romântico de Tom Cruise no filme de 1986, Kelly McGillis nem foi contatada em 2019, quando o filme iniciaria as filmagens. A própria disse que não foi chamada porque estaria velha, gorda e com a aparência apropriada para os seus 62 anos e que não se importava com isso. A televisão tem sido menos cruel.

Os atores têm sido mais escanteados nos últimos anos. Robert De Niro, Dustin Hoffman e Al Pacino fazendo papéis ora esdrúxulos em filmes de segunda linha são alguns exemplos que contrastam com os galãs do passado, como Gregory Peck e Gary Cooper, que apareciam em cena acompanhados com mulheres duas ou até três décadas mais jovens.

A “vida útil” na tela das atrizes daqueles tempos não era, digamos, muito longa. E mudou muito pouco, haja vista que Meryl Streep talvez seja uma exceção exemplar, requisitada para diversos papéis.

Um padrão tão atual quanto ancestral determina que, alcançada certa idade, uma atriz tem de migrar para outro tipo de personagem –o que, em muitos casos, é uma espécie de exílio. A televisão, mais especificamente as séries, tem abrigado muitos artistas mulheres e homens. Um indicativo que Hollywood, de fato, mais do que nunca tem negado a velhice, que de certo modo é um espelho em que ela própria vê sua idade avançada e sua insistência em continuar viva no imaginário popular.

O cinema continua grande, enorme, mas tem virado uma espécie de extravagância, de “nicho” -em aspas, porque ainda mobiliza muito capital financeiro e humano. “Top Gun: Maverick” é um filme que reitera um símbolo, uma espécie de tradição atualizada no século 21. Um filme sobre Tom Cruise e sua força quase sobrenatural em permanecer absurdamente intacto na tela, como um último recurso do grande cinema.

OP GUN: MAVERICK
Onde Nos cinemas
Elenco Tom Cruise, Peter Craig, Jim Cash
Direção Joseph Kosinski
Avaliação: Bom

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