A renovação conciliar encontrou nas Igrejas da América Latina uma generosa acolhida, mesmo no meio de não poucas incompreensões e hostilidades, que acabaram por caracterizar não só a renovação eclesial, mas também a própria teologia, que estava procurando acompanhar e ilustrar a caminhada eclesial em nosso continente. Em 1975, dez anos depois do Concílio Vaticano 2º, o padre peruano, Gustavo Gutierrez, publicou “Teologia da Libertação”, libro, que deu o nome à teologia latino-americana, que buscava “dar as razões da esperança” deste continente.

Olhando com serenidade este processo de sintonizar reflexão teológica e vivência eclesial, constatamos, maravilhados, que este era, também, o estilo de ensino de Jesus, na formação de seus discípulos. Com frequência, o Divino Mestre explicava em particular –  não poucas vezes, retirando-se com eles em lugares desérticos –  para instrui-los melhor, o que tinha ensinado às multidões. Assim, fizeram Paulo e Barnabé, ao deter-se por um ano inteiro na comunidade de Antioquia, a fim de dar àquela comunidade um fundamento mais sólido. No primeiro milênio da Igreja, foram os “Santos Padres”, que aprofundaram a fé cristã, servindo-se do suporte da razão.

Surgiram, assim, os primeiros tratados de teologia: “De Trinitate” (a Trindade Santa) de Santo Agostinho (353-430) e de Santo Ambrósio (340-397) “De Virgínibus” (a virgindade consagrada) e muitos outros escritos, que aprofundaram a fé da Igreja. Os teólogos da Teologia da Libertação sentiram a urgência de refletir sobre nossa realidade à luz da Palavra de Deus e do Concílio. São João Paulo 2º, em carta à CNBB, em abril de 1986, afirmou claramente “A Teologia da Libertação não só é oportuna, mas, útil e necessária”. Muito significativo é o fato de que o jornal oficial do Vaticano “L’Osservatore Romano” publicou vários artigos do Gustavo Gutierrez.

O olhar de fé destes teólogos permitiu, antes de tudo, notar sinais de vitalidade no nosso povo: uma forte sede de Deus e de oração, um desejo de conhecer melhor as Sagradas Escrituras, a exigência de ligar a fé com a vida, uma consciência mais crítica da realidade e o cumprimento dos deveres sociais. Realçaram também a vida nova que Jesus veio trazer, proclamando as oito bem-aventuranças e o mandamento novo, e que o Verbo de Deus, assumindo nossa condição humana, tornou a vida humana mais digna de ser vivida e que o povo, enfim, já vive estes valores, na partilha fraterna e fazendo suas as causas das categorias mais pobres.

O processo de libertação dos povos, que estava em andamento na América Latina, o Concílio veio respaldar, envolvendo a Igreja de modo muito intenso. A Teologia da Libertação –  com suas expressões típicas, como a opção preferencial pelos pobres, a leitura popular da Bíblia e as Cebs (Comunidades eclesiais de base) –  motivou ainda mais este processo libertário e concretizou as grandes intuições do Concílio:  sinais dos tempos; testemunhar a fé; a Igreja, povo de Deus; fé inculturada; unidade  na diversidade; movimento ecumênico e inter-religioso, vivência da partilha, que encontra seu desdobramento efetivo na ordem social e política, com a “opção preferencial pelos pobres”.

 

(*Padre Ernesto Ascione é missionário comboniano e vigário cooperador da paróquia São José, Serra-ES.)

 

Foto do destaque: Arquivo TC Digital

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