FLÁVIO FERREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A medida provisória 966 publicada nesta quinta-feira (14) que protege agentes públicos de responsabilização pela adoção de medidas no período da pandemia do coronavírus é inconstitucional, de acordo com parte dos especialistas ouvidos pela reportagem.

Todavia, há constitucionalistas que entendem que a MP não traz novidades, uma vez que repete previsão de isenção de responsabilidade de servidores em situações excepcionais que já está presente na legislação brasileira, e isso pode resultar em insegurança jurídica.

A MP determina que durante a crise da Covid-19 os ocupantes de funções públicas só podem responsabilizados, no campo civil e administrativo, se “agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”.

Segundo o texto da MP, erro grosseiro é o “erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

Para a professora aposentada de direito administrativo da USP Odete Medauar, há inconstitucionalidade na nova MP pois ela viola o artigo 37 da Constituição Federal que estabelece a responsabilidade dos órgãos públicos pelos danos causados pelos seus servidores, ou seja, o dever da administração de ressarcir diretamente os cidadãos prejudicados.

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Nesse tipo de situação, ao mesmo tempo, os órgãos públicos podem se voltar ao ocupante do cargo que causou o dano e cobrar dele indenização correspondente àquela que a administração pública teve que desembolsar. Esse tipo de mecanismo legal, no jargão técnico, recebe o nome de direito de regresso.

Para a especialista, a edição da MP tem como meta impedir que a administração exerça esse direito de regresso em relação aos agentes públicos que estão desobedecendo as determinações das autoridades de saúde para o combate da pandemia.

“Existe um óbvio desvio de finalidade. No caso, o objetivo é isentar pessoas que estão contra o que a ciência determina. O texto fala em erro grosseiro. Erro grosseiro é você contrariar o que a ciência e a Organização Mundial da Saúde dizem. Isso é um absurdo, é coerente com o festival de horrores que estamos vivendo”, afirma Odete.

O professor de direito constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano diz que o direito de regresso do Estado contra o servidor pode ser exercido sempre que ficar provado que um funcionário público agiu com dolo (vontade de prejudicar) ou culpa (ato decorrente de negligência, imprudência ou imperícia).

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Para Serrano, o problema é que a medida provisória estabelece que a cobrança ao agente público só possa ser feita em caso de erro grosseiro

“A previsão da Constituição é a de que basta culpa para responsabilizar os agentes públicos, ela não fala em erro grosseiro. A lei não pode restringir a responsabilidade do agente criada pela Constituição”, diz.

Já o professor de direito público da FGV-SP Carlos Ari Sundfeld diz que o texto da MP não traz novidade em relação ao que já está previsto em uma lei aprovada em 2018, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro.

“O conteúdo da medida provisória é inútil porque o que está escrito nela já está na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, e está corretamente. A personalidade do presidente é que contamina a medida provisória, e não o conteúdo dela”, diz.

Para Sundfeld, a edição de MP de modo desnecessário pode trazer prejuízos à aplicação da lei de 2018. “O presidente da República não tinha razão nenhuma para editar isso agora. Isso só traz desconfiança para um assunto que está sendo bem trabalhado pela Justiça”, afirma.

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Segundo o professor da FGV, “o presidente da República tem tido um comportamento de desprezo completo ao direito. Quando um presidente que tem esse comportamento edita uma medida provisória, as pessoas que leem isso supõem, e é uma desconfiança razoável, que ele está fazendo alguma coisa naquela linha do desprezo à ordem jurídica e agora quer proteger de qualquer responsabilização aqueles que desprezam o direito”.

A advogada e doutora em direito do Estado pela USP Mariana Chiesa também entende que a MP trouxe uma redundância legislativa e isso pode resultar em insegurança jurídica.

“Acho preocupante não aplicar a norma que já prevê essa proteção, fazendo parecer necessário uma nova norma com enfoque na pandemia. Apesar de poder trazer um uma sensação de maior segurança, o risco dessa estratégia é esvaziar a norma existente e o potencial de proteção aos agentes públicos que já se coloca mas está ainda em processo de consolidação, por ser muito recente”, diz Mariana.

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