DOUGLAS GAVRAS

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um estudo feito pelo professor Eduardo Marques, do Departamento de Ciência Política da USP e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole, investigou a relação da sociabilidade na produção de pobreza, ouvindo mais de 300 pessoas em São Paulo e Salvador, cidades com características bem diferentes, do ponto de vista da segregação urbana.

Foram entrevistados moradores de locais com características bem diferentes, como favelas mais isoladas, comunidades próximas a bairros ricos e conjuntos habitacionais, por exemplo, e pessoas de classe média.

A ideia era mostrar que, ainda que duas pessoas tenham a mesma renda, uma delas pode ter uma condição de vida pior e perspectivas de futuro reduzidas, caso esteja mais isolada (e com menos acesso à serviços e informação) do que a outra.

A conclusão é que pessoas com vínculos mais amplos -ligadas a associações, entidades ou igrejas- tinham mais oportunidades do que aquelas com redes mais locais (vizinhança, família etc). “A gente conseguiu mostrar que uma parte da explicação de pobreza, renda, desemprego ou emprego de melhor qualidade tem relação com o tipo de sociabilidade”, diz o pesquisador.

Entre os indivíduos de São Paulo com maior sociabilidade, 58% tinham trabalho formal, ante 33% dos que tinham sociabilidades mais locais e primárias. Quem tinha sociabilidade maior conseguia renda mais alta -R$ 390, per capita, ante R$ 225 dos de sociabilidade local e primária.

Ele destaca o papel que o ambiente escolar e, sobretudo, universitário tem na construção dessas redes de relações. “Quando se é criança, a tendência é que família seja a sua rede. Depois, vem a vizinhança, os amigos dos amigos e a escola. Quando se entra na universidade, há uma mudança de degrau forte, pela convivência com quem pode ser até da mesma classe social, mas vêm de contextos diferentes.”

O professor acrescenta que medidas como a Lei de Cotas (que completa dez anos) e o Prouni, além de facilitarem o aumento da escolarização, podem produzir efeitos de mais longo prazo do que se imagina, por meio do aumento dessa teia de conexões.

O estudo foi feito entre 2006 e 2009, quando o acesso a smartphones, que permitem o acesso contínuo às redes sociais e aplicativos, ainda não era tão disseminado. “Mas é possível intuir que os contatos virtuais são uma amplificação dos contatos físicos. As redes sociais não representam um mundo que caiu do céu”, diz.

Marques também explica que os mais ricos tendem a conseguir manter um número maior de vínculos ao longo do tempo, acumulando “camadas de rede” -relações construídas em diferentes locais e fases da vida. “Para os mais pobres, isso sempre foi mais difícil, mas o mundo virtual reduz o custo de fazer e manter vínculos.”

Para Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro, qualquer iniciativa que permita a conexão entre pessoas de características demográficas distintas é benéfica.

“Nesse sentido, a infraestrutura física ou digital que permita encontros, inclusive aleatórios, entre pessoas diversas sempre leva ao aumento de oportunidades. Essas infraestruturas incluem desde um transporte público de qualidade e utilizado por todos até redes sociais que permitam encontros e contatos”, diz.

Em um estudo de 2018, pesquisadores da FGV (Fundação Getulio Vargas) também mapearam a relação entre lugar de moradia na infância e renda na vida adulta. A partir do Censo de 2010, eles concluíram que, a depender de onde o trabalhador que migrou de outros estados para São Paulo passou a infância, sua renda poderia variar de 2% a 13% para cada ano a mais de estudo.

Para chegar a esses números, foram cruzados dados de escolaridade e renda, concluindo que um ano a mais de formação de um brasileiro que cresceu no Piauí e se mudou para São Paulo se reflete em um aumento de 2,3% na renda –o patamar mais baixo entre 19 estados. Enquanto isso, fluminenses e gaúchos tinham incrementos de 10,5% a 13,1% no salário, respectivamente.

Segundo explicou o pesquisador da EPGE/FGV (Escola Brasileira de Economia e Finanças) Cezar Santos, as redes e conexões que essa pessoa traz consigo também são importantes na definição da renda. As pessoas ampliavam suas redes, ao se aproximarem de outros migrantes, que as apresentavam a amigos locais e empregadores.

Para Lemos, a maior conectividade das novas gerações pode compensar limitações e contribuir para a formação de laços mais diversos desde os primeiros anos escolares.

“Vários países, por exemplo, têm experimentado sistemas de mentoria, em que cidadãos e cidadãs já aposentados participam de programas em que possam orientar os mais jovens. A troca de experiências e informação gera oportunidades muito poderosas”, diz.

Foto: Pixabay
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