ALEX SABINO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O sonho de Hamoon Derafshipour, 28, quando entrava na adolescência em Teerã, capital iraniana, era disputar a Olimpíada. Destaque precoce do caratê em seu país, ele sabia ser difícil. Seu esporte nem estava no programa dos Jogos. Mas agora está e isso acendeu seu sonho.

“Eu decidi que teria de estar no Japão e competir. Mas tinha de ser ao lado de Samira”, afirma o atleta.
Samira Makekipou, 27, é sua esposa e treinadora. Isso seria impossível para eles no Irã, país islâmico e autocrático, sujeito às determinações do líder supremo, Ali Khamenei. Derafshipour poderia ir. Sua esposa, não.

O relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre Direitos Humanos no Irã, Javaid Rehman, escreveu relatório em março deste ano afirmando estar preocupado com a discriminação contra mulheres no país, apesar de elas terem direitos garantidos pela Constituição.

“Nunca seria permitido que ela fosse minha técnica na Olimpíada”, constata o atleta.
Medalha de bronze no Mundial de 2018, categoria 67 kg, e classificado para os Jogos de Tóquio, ele decidiu deixar o Irã e desde o fim de 2019 treina no Canadá. Vai competir no Japão sob a bandeira do COI (Comitê Olímpico Internacional). A cidadania canadense ainda não foi regularizada.

Em meio aos treinamentos diários na província de Ontário, os dois dão aulas em academias da região.
“A Olimpíada era meu sonho, mas não seria mais se eu fosse sozinho. Sem Samira, eu preferia não viajar, porque depois de algum tempo passou a ser o nosso sonho, não apenas meu”, confessa o faixa preta de terceiro grau que, nos próximos anos, vai competir pelo seu país adotivo.

Antes de embarcar para o Japão, os dois pretendem passar seis semanas na Turquia para um período de concentração e treinos com outros atletas. Se a viagem para os Jogos está coberta financeiramente pela organização do evento, a estadia em Istambul, não. Por isso, lançaram campanha de financiamento coletivo que conta com apoio de academias e caratecas canadenses.

Dos US$ 15 mil (R$ 78,8 mil) necessários, eles tinham arrecadado pouco mais de US$ 8.224 (cerca de R$ 44,1 mil) até este fim de semana.
Além da mudança do ambiente para os treinos e a vida em um país novo, eles precisam se adaptar à língua. Samira tem mais dificuldade com o inglês, mas garante ter melhorado com o passar dos dias.

“Estamos muito animados porque ir à Olimpíada como casal é algo incrível. É uma competição, e ele quer ganhar, mas a experiência será fantástica”, acrescenta a técnica.
São tempos excitantes para eles também pelo sentimento de viverem algo único. O caratê estará pela primeira vez no programa olímpico, mas pode ser a última. A modalidade não será disputada nos Jogos de Paris em 2024 e não se sabe se voltará a Los Angeles-2028. A filosofia do COI tem sido dar preferência a esportes que tenham maior apelo à juventude e possam atrair essa audiência.

Hamoon Derafshipour dá de ombros para isso. Para quem conseguiu –de forma inesperada, segundo ele mesmo– ver o caratê ser incluído no evento e estar próximo de ir à Olimpíada acompanhado da esposa, melhor é viver o presente. Não é hora de se preocupar com o que vai acontecer daqui a três anos.

“Eu não me importo em aceitar os desafios que a vida coloca. É para isso que estamos aqui. Se eu tivesse prestado atenção ao que me disseram no passado, não teria vindo para o Canadá porque não me adaptaria, não conseguiria praticar o esporte que eu amo e estar ao lado da minha mulher”, relembra.

O carateca tenta deixar claro que não se trata de um capricho ter Samira ao seu lado no evento. Não é um passeio para um casal que jamais visitou o Japão (até porque horas de lazer não serão permitidas pela organização da Olimpíada de Tóquio). Derafshipour tem certeza de que rende melhor quando está na companhia dela, uma técnica qualificada internacionalmente.

“Claro que quero estar com minha esposa o tempo todo, mas existe uma questão técnica. Todo atleta quer ter o seu treinador próximo. Faz parte do esporte. Samira é a pessoa que melhor me conhece no mundo. Sabe o que eu preciso fazer e o apoio que necessito no mental, no técnico e no emocional”, completa.

Ao mudarem de país, abriram mão de patrocínios e possíveis financiamentos do governo. Por isso, têm sido instrutores de jovens em Ontário.
“A pandemia, a mudança, a falta de patrocínio são obstáculos. Mas, quando ganharmos a medalha, tudo isso vai ter um sabor muito melhor”, finaliza o atleta iraniano e, em breve, canadense.

 

Foto do destaque: Reprodução

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