KATNA BARAN E ANA LUIZA ALBUQUERQUE
CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Minutos após ter sido solto, em palanque armado nesta sexta-feira (8) diante da sede da Polícia Federal em Curitiba, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez um discurso de forte ataque à Operação Lava Jato e a setores do Judiciário.
Em uma fala de 16 minutos, o petista falou em “safadeza” e “canalhice” do que chamou de “lado podre” do Ministério Público Federal, da Polícia Federal, da Justiça e da Receita Federal.

Foto: Instagram do PT/Divulgação.

Setores que, segundo ele, trabalharam para criminalizar a esquerda, o PT e o próprio Lula.
“Vocês eram o alimento da democracia que eu precisava para resistir à safadeza e à canalhice que um lado podre do Estado brasileiro fez comigo e com a sociedade brasileira”, disse o ex-presidente à militância. Ele deve fazer um novo discurso em São Bernardo (SP) neste sábado (9).
“O lado podre da Justiça, o lado podre do Ministério Público, o lado podre da Polícia Federal e o lado podre da Receita Federal trabalharam para tentar criminalizar a esquerda, criminalizar o PT, criminalizar o Lula.”
O ex-presidente também atacou o ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro (PSL), e o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba.
“Eu saio daqui sem ódio. Aos 74 anos meu coração só tem espaço para amor porque é o amor que vai vencer neste país”, disse, diante dos militantes presentes. Um dos momentos mais aplaudidos foi quando Lula beijou sua namorada, a socióloga Rosangela da Silva, a Janja.
“As portas do Brasil estarão abertas para que eu possa percorrer este país”, disse o petista, que criticou a situação do desemprego do país e se referiu a Bolsonaro como mentiroso em redes sociais.
“Eu não tenho mágoa dos policiais federais, eu não tenho mágoa dos carcereiros, eu não tenho mágoa de ninguém”, disse. “Esse país pode ser muito melhor na hora que ele tiver um governo que não minta tanto pelo Twitter como Bolsonaro mente.”
Ao cumprimentar o petista Fernando Haddad, candidato a presidente derrotado em 2018, Lula o chamou de “quase nosso presidente, se não fosse roubado”.
Após investigação e denúncia da Lava Jato de Curitiba, Lula foi condenado por Moro sob a acusação de receber propina da OAS por meio de reserva de um apartamento tríplex em Guarujá (SP) em troca de contrato com a Petrobras, o que ele sempre negou.
A pena de Lula, depois confirmada em segunda instância pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região), foi definida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em 8 anos, 10 meses e 20 dias.
No discurso, Lula agradeceu aos militantes que permaneceram em vigília durante todo o período que esteve preso. O petista foi solto na tarde desta sexta-feira, após 580 dias preso na sede da Superintendência da Polícia Federal do Paraná, em Curitiba.
“Vocês não têm dimensão do significado de eu estar aqui junto com vocês. Em minha vida inteira estive conversando com o povo brasileiro, eu não pensei que no dia de hoje eu poderia estar aqui conversando com homens e mulheres que durante 580 dias gritaram ‘bom dia, Lula’, gritaram ‘boa tarde, Lula’, gritaram ‘boa noite, Lula’, não importa que estivesse chovendo, não importa que estivesse 40 graus, não importa que estivesse zero grau”, disse.
A soltura do ex-presidente ocorreu um dia após o Supremo Tribunal Federal ter decidido, por 6 votos a 5, que um condenado só pode ser preso após o trânsito em julgado (o fim dos recursos).
Isso alterou a jurisprudência que, desde 2016, tem permitido a prisão logo após a condenação em segunda instância.
A decisão do Supremo, uma das mais esperadas dos últimos anos, tem potencial de beneficiar cerca de 5.000 presos, segundo o CNJ (Conselho Nacional de Justiça). O Brasil tem, no total, aproximadamente 800 mil presos.
A soltura de Lula foi determinada pelo juiz federal Danilo Pereira Junior. A decisão foi publicada às 16h15, e o petista deixou a sede da PF às 17h40.
O petista também foi condenado, até aqui apenas em primeira instância, no caso do sítio de Atibaia. Segundo a decisão judicial, ele recebeu vantagens indevidas da Odebrecht e da OAS em troca de favorecimento às empresas em contratos da Petrobras.
As reformas e benfeitorias realizadas pelas construtoras no sítio frequentado por Lula configuraram prática dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro. Pelas regras atuais, Lula é considerado ficha-suja, devido a ao menos uma condenação em segunda instância –regra de corte da Lei da Ficha Limpa.
Lula atingiu em setembro deste ano a marca de um sexto de cumprimento da pena imposta pelo STJ no caso do tríplex de Guarujá.
Mesmo com manifestação do Ministério Público Federal favorável à progressão para o regime semiaberto, o ex-presidente decidiu permanecer na Superintendência da PF no Paraná. “Não troco minha dignidade pela minha liberdade”, afirmou em carta. “Quero que saibam que não aceito barganhar meus direitos e minha liberdade.”
O ex-presidente ainda é réu em outros processos na Justiça Federal em São Paulo, Curitiba e Brasília. Com exceção de um dos casos, relativo à Odebrecht no Paraná, as demais ações não têm perspectiva de serem sentenciadas em breve.
Lula estava preso desde o dia 7 abril de 2018 em uma cela especial da Superintendência da PF, em Curitiba. O local mede 15 metros quadrados, tem banheiro e fica isolado no último andar do prédio. Ele não teve contato com outros presos, que vivem na carceragem, no primeiro andar.
Na prisão, o ex-presidente enfrentou três perdas: a morte do amigo Sigmaringa Seixas, advogado e ex-deputado petista, do irmão mais velho, Genival Inácio da Silva, o Vavá, e de Arthur, seu neto de sete anos de idade.
No caso de Vavá, o petista se manteve firme, apesar do luto e da novela em que se transformou o pedido de autorização para que ele fosse ao velório do irmão, vitimado por um câncer. A juíza Carolina Lebbos, que regula o cumprimento da pena de Lula, havia negado o pedido. Quando o presidente do STF, Dias Toffoli, deu a autorização, o corpo estava prestes a ser sepultado. Lula não se despediu do irmão morto.
No caso de Arthur, a autorização a Lula foi dada no mesmo dia e ele embarcou em direção a São Paulo.
Na Polícia Federal, o dormitório, antes usado por policiais em viagem, não tinha grades e se resumia a banheiro, armário, mesa com quatro cadeiras, esteira ergométrica e um aparelho de TV com entrada USB e que só sintoniza canais abertos.

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