Pós o rompimento da Barragem de Fundão, da mineradora Samarco, no município de Mariana (MG), no dia 5 de novembro de 2015, muita coisa mudou na vida de pescadores e marisqueiros que viviam e vivem até hoje da pesca e cata de mariscos no litoral mateense. A afirmação é feita pela presidente da Associação de Pescadores, Catadores de Caranguejo, Aquicultores, Moradores e Assemelhados de Campo Grande (Apescama), Kelly Ramalho de Sena Monteiro, e é repetida por moradores no litoral de São Mateus.

Ela ressalta que a pesca, antes do desastre de Mariana, era a principal atividade econômica das comunidades. “Era o sustento do nosso povo. Havia muita fartura de peixes, mariscos e crustáceos em geral em toda a região” – enfatiza.

Após quase 9 anos do desastre ambiental da Samarco em Mariana, Minas Gerais, pescadores do litoral mateense dizem conviver com a escassez de peixes e mariscos. Foto: Tatiana Milanez/TC Digital

Kelly salienta que alguns pescadores receberam indenizações, auxílio financeiro emergencial, mas pontua que há um passivo grande de atingidos que não receberam ainda. “A queda da atividade pesqueira na região afetou diretamente as famílias dos pescadores na saúde, no turismo e no comércio com a contaminação da água” – afirma.

A presidente da Apescama reforça que os atingidos tiveram que encontrar outras formas de sustento, principalmente na agricultura e no artesanato.

 

“No meio dos pescadores”

“Antes, era muito bom. Depois que entrou essa lama, sumiu muitas coisas e ficou ruim. Diminuiu muito [os peixes e mariscos]. Os peixes que viviam no mangue, sumiram todos. Alguns vivem de se alimentar de outros peixes. O robalo mesmo, pega bastante. Já no mar, a corvina sumiu. A pescadinha e a sarda só aparecem no Verão. O camarão também sumiu porque ele é da lama. Pesquei por 30 anos, aposentei, meu filho ainda pesca e eu estou aqui no meio dos pescadores” – afirma Zitônio Pereira Gomes, morador do balneário de Barra Nova.

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De acordo com ele, as embarcações estão praticamente paradas, “estragando porque, para os pescadores, não compensa mais, não dá lucro”.

Zitônio: “Pesquei por 30 anos, aposentei, meu filho ainda pesca e eu estou aqui no meio dos pescadores”.
Foto: Divulgação

E complementa: “O pescador sai, gasta óleo, gasta tudo, mas não compensa. Infelizmente, um monte de barco parado. Caiu cinquenta, sessenta por cento. Mudou muito a realidade. Muitos pescadores estão mexendo com outras coisas. Alguns viraram pedreiros, ajudantes de pedreiro ou viraram funcionários da Transpetro [empresa brasileira de transporte e logística de combustíveis ligada à Petrobras]”.

 

Moradores já denunciaram mutação em peixes

Em 2022, pescadores já haviam denunciado o surgimento de peixes em estado de decomposição no Rio Campo Grande, leito d’água que, mais ao norte, recebe o nome de Mariricu. Segundo o ex-presidente da Apescama, o vereador Adeci de Sena, os peixes –na maioria bagres– foram contaminados por rejeitos decorrentes do desastre ambiental da Samarco.

“Nós lamentamos que esta região toda aqui esteja contaminada, com peixes boiando. Já fotografamos para mostrar que não tem como as famílias tradicionais sobreviverem aqui porque a contaminação está altíssima” – afirmou Adeci na época.

Ele aponta que os problemas com os rejeitos de minério nas comunidades tradicionais mateenses vêm acontecendo desde o final de 2015 e frisa que o impacto é brutal nos manguezais formados entre duas barras –Ipiranga e Barra Nova— no litoral sul mateense, destruindo um ecossistema frágil e berçário de muitas espécies animais.

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A presidente da Apescama, Kelly Ramalho, reforça que os atingidos tiveram que encontrar outras formas de sustento.
Foto: Divulgação

Com a experiência acumulada ao longo de décadas no habitat onde nasceu e vive até hoje, Adeci explica que a chegada do Vento Sul, mais comum no Inverno, revira o fundo do mar na costa norte capixaba e empurra os rejeitos de minério continente adentro pelas fozes dos rios.

Preocupado com os impactos dos prejuízos registrados em São Mateus originados nos resíduos que vazaram de barragens da mineradora Samarco, o vereador Adeci de Sena conclama uma força-tarefa para buscar a reparação coletiva desses danos. A tragédia ambiental, a maior do Brasil segundo o Ministério Público Federal, aconteceu na barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais, no dia 5 de novembro de 2015.

Numa sessão da Câmara de São Mateus ainda em 2022, Adeci apresentou imagens chocantes de peixes com suspeitas de mutação genética em águas litorâneas do Município, inclusive do Rio Cricaré, e de municípios vizinhos na costa capixaba. Também apresentou imagens de ferimentos na pele de ribeirinhos que moram no Distrito de Nativo de Barra Nova.

 

Quase nove anos

No dia 5 de novembro de 2015, a Barragem do Fundão, pertencente à Samarco, localizada no município de Mariana, se rompeu. O barramento, classificado como classe III, de alto potencial de dano ambiental, era destinado a receber e armazenar o rejeito gerado pela atividade de beneficiamento de minério de ferro.

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O rompimento da Barragem de Fundão causou efeito em cadeia, ocasionando o extravasamento da Barragem Santarém, de acumulação de água, e retenção de sedimentos, localizada também na área da empresa.

Após quase 9 anos do desastre ambiental da Samarco, pescadores do litoral mateense dizem conviver com a escassez de peixes e mariscos.
Foto: Tatiana Milanez/TC Digital

Os danos ao meio ambiente foram inevitáveis. A lama de rejeitos devastou o Distrito de Bento Rodrigues, situado a cerca de 5 km abaixo da barragem, foi carreada até o Rio Gualaxo do Norte, a 55 km, desaguando no Rio do Carmo, atingindo em seguida o Rio Doce, afetando também o litoral do Estado do Espírito Santo.

Foi classificado pelo Ministério Público Federal como o maior desastre ambiental do Brasil e um dos maiores do mundo, provocou danos econômicos, sociais e ambientais graves e tirou a vida de 19 pessoas.

 

Monitoramento da pesca

O monitoramento da atividade pesqueira é desenvolvido no litoral mateense pela Transpetro, por meio da Ambipar, segundo a empresa, “como uma medida de controle que visa subsidiar o acompanhamento, a análise e a avaliação dos impactos sobre a pesca e as localidades pesqueiras nas áreas de influência das atividades de exploração e produção da Petrobras”.

De acordo com a empresa, são realizados relatórios periódicos sobre a atividade pesqueira na região. A Reportagem solicitou o acesso a esses relatórios para ilustrar aos leitores o impacto do acidente de Mariana na pesca na região. No entanto, mesmo após reiterados pedidos, a empresa não disponibilizou o acesso a esses dados.

 

Foto do destaque: Tatiana Milanez/TC Digital

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