FÁBIO PUPO

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Ajudado pelo impulso da inflação sobre a arrecadação federal e pela contenção de despesas em relação ao ano anterior, o governo registrou um déficit de R$ 35 bilhões em 2021 -o que representa uma queda real de 95% em relação a 2020.

A expressiva redução é observada após o recorde histórico negativo registrado no ano de chegada da pandemia ao Brasil, quando o resultado havia ficado negativo em R$ 743,2 bilhões devido à crise da Covid-19 -que provocou uma disparada dos gastos públicos e derrubou a arrecadação de impostos.

O déficit primário do ano passado, divulgado nesta sexta-feira (28) e que se refere ao governo central (o que abrange o Tesouro Nacional, a Previdência e o Banco Central), equivale a -0,4% do PIB (Produto Interno Bruto). Embora ainda negativo, é o melhor resultado desse indicador na série de déficits iniciada em 2014.

Os dados ajudam o discurso do ministro Paulo Guedes (Economia) de que as contas públicas caminharam para o reequilíbrio em 2021, apesar da previsão de um rombo maior para 2022 e de novas iniciativas em discussão no governo para usar os cofres públicos em ano eleitoral.

No ano passado, o Executivo conquistou no Congresso a aprovação de uma emenda constitucional que driblou a regra do teto de gastos. Neste ano, os ministros discutem um corte tributário para conter os preços dos combustíveis às vésperas do calendário eleitoral com impacto potencial de R$ 130 bilhões.

Em meio aos questionamentos sobre essas iniciativas, Guedes tem ressaltado constantemente a interlocutores desde o ano passado que o ajuste fiscal está sendo promovido, e que o corte de despesas em relação ao ano mais crítico da pandemia, 2020, não tem precedentes na história brasileira.

O Ministério da Economia argumenta que, ainda executando políticas de combate aos efeitos econômicos e sociais da Covid-19, o governo conseguiu praticamente reequilibrar seu orçamento com um ajuste fiscal superior a 9 pontos percentuais do PIB.

Nas receitas, houve aumento real de 21% (para R$ 1,5 trilhão). O governo diz que a melhora decorre da recuperação da economia, enquanto analistas afirmam que há ajuda da inflação.

Embora o resultado da arrecadação seja atualizado pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), boa parte dos números “escapa” desse ajuste. A inflação de 2021 ficou em 10,06%, mas os preços da gasolina, por exemplo, subiram 47,49%.

Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado), afirma que o desempenho das receitas em 2021 “deveu-se à base de comparação baixa, ao câmbio, às commodities e à inflação”.

Segundo ele, deflatores mais ligados a dólar e commodities (aos quais a arrecadação é mais sensível), como o IGP-M, resultariam em uma receita líquida com evolução menor (de 11%). “Um desempenho bem menos impressionante”, diz.

Além disso, ele afirma que os dados estão “no retrovisor”. Isso porque a evolução da arrecadação em menor ritmo e novas despesas levarão a um déficit maior em 2022 (projetado pelo próprio governo em R$ 79 bilhões). “A perda de fôlego da arrecadação e o aumento de despesas sociais e outros gastos, a partir do espaço fiscal aberto no teto de gastos […], levará ao aumento do déficit”, afirma.

Guedes participou do começo da apresentação dos números, sem permanecer para a sessão de perguntas, e contestou a visão de que o aumento dos preços tem beneficiado as contas públicas. Para ele, isso é uma “falácia usada por economistas mal preparados”.

Ele disse que, se a aceleração dos preços fosse benéfica para os números, ela ajudaria a equilibrar as contas em governos anteriores. “Se fosse a inflação, o Mailson da Nóbrega [ex-ministro da Fazenda, durante o governo Sarney] tinha resolvido”, disse o atual chefe da equipe econômica.

Para Guedes, o que contou foi a contenção de despesas. O gasto total do governo teve queda real de 23% contra 2020, para R$ 1,6 trilhão.

A base de comparação com 2020 fica prejudicada devido à série de medidas anticrise tomadas naquele ano, principalmente o amplo auxílio emergencial concedido à população (que pagou R$ 292 bilhões naquele ano). De qualquer forma, o governo encerrou 2021 com o menor patamar de gastos em relação ao PIB (18,6%) em sete anos.

“Não foi a inflação em si, mas o controle das despesas. Se não, por que a alta da inflação nos governos anteriores não resolveu o problema fiscal? Porque não houve coragem de segurar as despesas”, afirmou.

Além da redução de gastos ligados à pandemia, analistas têm chamado atenção para a queda das despesas em relação ao PIB da Previdência após a reforma de 2019 e para os gastos com pessoal devido à contenção de reajustes salariais.

Guedes aproveitou para voltar a dizer que analistas têm errado avaliações sobre o Brasil, e comemorou dados como a criação de empregos formais e o convite feito para o Brasil entrar na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).

Segundo ele, o resultado consolidado do setor público a ser divulgado nos próximos dias e que considera também estados e municípios aponta um superávit acima de R$ 40 bilhões para o país. De acordo com o Tesouro, isso coloca o Brasil entre apenas quatro países que apresentam perspectiva de resultado positivo para o governo geral em 2021.

“O fiscal está forte, o monetário está no lugar. O Brasil já está com juros reais positivos enquanto BCs do mundo inteiro estão dormindo no volante, com juros reais negativos e empurrando a conta para as futuras gerações”, disse.

Sem citar nomes, o ministro atacou o que chamou de “viúvas da estagnação” que defendem uma participação maior do Estado na economia dizendo que a ideia “faliu em todo o mundo”. “Corrupção e estagnação econômica paralisaram primeiro Cuba, está paralisando a Argentina e afundou a Venezuela. E nós estamos tirando o Brasil desse caminho da miséria”, disse.

Guedes disse que Correios e Eletrobras “estão na pista” da privatização, sendo que no primeiro caso ainda é preciso aval do Congresso e no segundo uma avaliação do TCU (Tribunal de Contas da União). Além disso, disse que o Legislativo vai voltar a analisar a minirreforma trabalhista que foi rejeitada pelo Senado e que é voltado a jovens que não estudam e nem trabalham.

“Não confunda a queda de um gigante com o choque da pandemia, com a falta de dinâmica desse gigante. Esse gigante já se levantou, e vai transformar essa recuperação cíclica numa retomada do crescimento econômico”, afirmou.

O secretário do Tesouro, Paulo Valle, afirmou que demandas como menores preços de combustíveis são legítimas, mas que o papel do órgão é lembrar que o equilíbrio fiscal é importante. “Temos um nível de dívida ainda muito alto. É sempre bom lembrar que ainda estamos saindo de uma crise”, afirmou.

Foto: Marcello Casal Jr. / Agência Brasil
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