DIEGO GARCIA E JULIO GOMES

DOHA, QATAR (UOL/FOLHAPRESS) – Centenas de milhares de torcedores de dezenas de países conviveram em um conjunto habitacional apelidado pelos brasileiros de “Cohab” durante a Copa do Mundo no Qatar. Com mais de 16 mil apartamentos compartilhados, o lugar mais barato para se hospedar durante o Mundial foi palco de histórias, interação, festas, barulho e até mesmo infestação de ratos, contrabando e ocupações clandestinas.

Durante a Copa, a reportagem conversou com pessoas de várias nacionalidades que dormiram pelo menos um dia nessa Cohab (uma lembrança aos prédios padronizados da Companhia Metropolitana de Habitação de São Paulo). O lugar atualmente está tomado por argentinos, já que a seleção de Messi foi até o final da competição. Eles são considerados os visitantes mais barulhentos do último mês, varando madrugadas com festas e churrascos.

A Cohab do Qatar também foi a casa de muitos brasileiros. A maioria elogiou a estrutura do local, mas alguns deles enfrentaram dificuldades. Foi o caso do paulista Serginho Lima, que ficou alguns dias na habitação da cidade de Al-Wakrah, a 30 km de Doha e 50km do estádio Lusail, palco de dois jogos da seleção na Copa e também da grande final do torneio, neste domingo (18).

Quando percebeu que seu período de hospedagem no Qatar havia terminado, Serginho tentou e não conseguiu prolongar a hospedagem junto à organização, apesar de estar claro que havia quartos vazios. Simplesmente decidiu não devolver a chave e “ocupou” um dos quartos vazios.

“São 3h40 da madrugada, estou dormindo nesse quarto há quatro dias sem pagar. A Cohab tem diversos apartamentos vazios. O código é a luz acesa e cortinas abertas. E eu oficializei a minha invasão, cheguei com as minhas coisas e daqui vou para a minha casa no Brasil”, disse o brasileiro, em um vídeo, pouco antes de a seleção ser eliminada pela Croácia, nas quartas de final.

Ele havia mandado mensagens em grupos de brasileiros pedindo mobilização dos presentes para bater o pé e conseguir ocupar os quartos vazios na Cohab. “Não faz sentido devolver a chave e não ter onde ficar. Se não tinham condições de fazer Copa nesta m…, que não fizessem! Vão mandar as pessoas dormir na rua? Pode chamar a polícia!”, reclamou.

“No quarto que era para duas pessoas, os argentinos enfiavam cinco ali. Pegavam colchão de ar, colocavam e nunca ninguém falou nada”, relatou o brasileiro Rodrigo Mendes, que mora em Santos. “A Fifa bloqueou as reservas na Cohab, porque querem que a galera vá gastar nos hotéis no centro. Mas os argentinos estão sem grana.”

COPA COHAB

Serginho e Rodrigo foram alguns dos milhares de brasileiros com histórias para contar no conjunto habitacional. Os torcedores chegaram até a organizar partidas, com uniforme e tudo, no que os brasileiros apelidaram de “Copa Cohab”. Em um dos jogos, marcado para o meio-dia, com muito sol, os uruguaios chegaram a abrir 3 a 0, mas a “seleção brasileira” virou para a 4 a 3. Fernando Garcia fez o gol da virada. O Brasil foi campeão.

“Eu ia para torcer, e nesse dia da final precisou de gente e joguei. Todos os times da Copa tinham torcida ali. Conheci chileno, boliviano, gente do mundo todo, além dos torcedores dos times da Copa. Tinha torcida do mundo inteiro que gostava de futebol. Um dia torcia para a Argentina, outro para o Brasil. No café da manhã você já sabia que jogo teria no dia pelas camisas”, disse Fernando.

Para ele, o melhor da Cohab é que tinha espaço para todos, pois os preços eram os mais acessíveis de todo o Qatar -cada quarto variava entre US$ 80 e US$ 100 (entre R$ 450 e R$ 550), que poderiam ser divididos entre os integrantes das camas- entre 2 e 4 em cada espaço. Ele contou que, ao longo da Copa, os torcedores foram driblando as restrições ao álcool impostas pelas leis qataris com contrabando de bebidas. “Estavam vendendo garrafa de vodka por US$ 120 (R$ 600).”

“Tinha gente com grana, gente sem grana, que ficava mais lá dentro, sem passear. Todos os tipos de pessoas, do mundo inteiro, com muita interação. Você via os árabes comendo com a mão, por exemplo, do lado de alguém que ficava com nojo. Era um lugar com vida, 24 horas”, comentou.

Rafael Felix, que também mora em São Paulo, contou que o custo-benefício não era o único ponto positivo. Os quartos também tinham ar condicionado, microondas, pia, geladeira, tábua de passar roupas e facilidades por perto, como mercados, farmácias, lavanderias, barbearias e comida de rua, como shawarmas – espécie de sanduíche árabe.

“Pelo que foi pago e outras opções muito mais caras valeu muito a pena. Tinha muita gente”, contou. Ele assistiu jogos das oitavas e quartas de final, se locomovendo de ônibus – que estavam disponíveis 24h por dia na Cohab – ou metrô – o mais próximo ficava a 30 minutos. Havia também ônibus indo e vindo diretamente dos estádios.

“Todas as nossas necessidades foram supridas, foi fácil. Também tinha um super telão com puffs e cadeiras para acompanhar todos os jogos da Copa, todo mundo ficava junto e se amontoava”, disse Felix.

INFESTAÇÃO DE RATOS

Já o santista Rodrigo Mendes foi sozinho e acabou dividindo o quarto com três pessoas diferentes durante toda a Copa. Teve até a uma infestação de ratos e uma gripe que contagiou muita gente e foi apelidada de “gripe do camelo”.

“Teve uma infestação de ratos em um dos blocos. Todo mundo que ficou lá reclamou muito, que tinha muito rato nos prédios. Mas as melhores amizades que eu fiz na Copa foram o pessoal da Cohab, gente que vou levar para vida. Dividimos muitos perrengues juntos. Muita gente pegou a que a gente apelidou de ‘gripe do camelo’, teve muita gente doente, eu fiquei mal, e aí todo mundo se ajudou, levava comida no quarto do outro, dava remédio”, contou.

As festas dos argentinos também eram motivo de conversa entre os presentes. Todos os dias, sem exceção, eles armavam comemorações que duravam toda a madrugada.

“Os argentinos deram um show lá dentro. Toda noite, eles faziam um esquema no bloco que ia da meia-noite as 6h da manhã. Toda noite chegava um cara com um teclado e um amplificador e começava. Ainda bem que não fiquei nesse bloco, por causa do barulho. Para quem queria dormir, devia ser bem chato. Para quem queria festa, foi top”, disse Rodrigo.

“E eles faziam muito churrasco lá, além de bagunça, cantoria, festa. Claro que em algum momento você quer dormir, quer descansar, principalmente quando eu fiquei doente. Mas, cara, é Copa! Faz parte”, acrescentou.

Foto: Pixabay
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