POR LUIS FERNANDO TAVARES DE MENEZES E VANDER CALMON TOSTA

O título deste artigo remete ao discurso do saudoso professor Darcy Ribeiro, durante a posse do então reitor da Universidade de Brasília (UNB), professor Cristovão Buarque de Holanda. Em seu discurso, Darcy Ribeiro, criador da UNB, trouxe como reflexão o papel da universidade pública no processo de desenvolvimento do Brasil como nação. De forma eloquente, ele apresenta aquela universidade como modelo concreto que serviria para a quebra do paradigma de que as universidades, até então, em sua cultura erudita, serviam mais às classes dominantes, para opressão do povo, do que para a construção de um país habitável e de implantação de uma sociedade solidária. Tal questionamento de Darcy Ribeiro é mais do que atual; é necessário: Universidade para quê e para quem?

A história da educação no Brasil caminha de mãos dadas com a do racismo e da exclusão socioeconômica. Defender que a universidade seja para poucos, por exemplo, remete a um projeto de país que se constrói a partir da marginalização de uma parcela significativa da população brasileira. Um Brasil no qual poucos devem cursar a universidade, ao mesmo tempo que as escolas são cada vez mais esvaziadas de sentido, seja na precarização assustadora do trabalho docente, seja na formulação de um projeto de lei que pretende regularizar a educação domiciliar, destituindo a escola de uma das suas funções principais: o convívio respeitoso dos futuros cidadãos brasileiros, reafirma sua concepção colonial de exploração social e a concentração de riquezas nas mãos de poucos.

Ainda no período imperial, a educação, de qualquer nível, estava vetada para os escravizados. Existiam leis que proibiam que escravizados aprendessem a ler e escrever. E nessa sociedade, em que os bacharéis muitas vezes também eram proprietários de escravos, as iniciativas públicas para o letramento da população brasileira pobre (negra, mestiça e indígena) eram ínfimas. Este sistema, de certa forma, ainda é imperativo no Brasil, o que garante um sistema econômico que define classes sociais.

Evidentemente, o acesso à universidade deixou de ser proibido, mas frequentar as salas de aula em uma universidade continua sendo privilégio de uma parcela pequena da população brasileira e, além disso, seus produtos, como a ciência e a tecnologia, muitas vezes se tornam mecanismos de segregação social onde poucos têm acesso. Basta pensarmos se todos têm acesso aos tratamentos mais avançados do câncer, por exemplo. O próprio Darcy Ribeiro enfatiza que o saber ou a técnica, por mais competentes que sejam, nada significam, se não se perguntam para quê e para quem existem e operam.

Um comparativo que ilustra bem a importância da universidade na atualidade é a diferença salarial entre trabalhadores brasileiros com ensino superior e aqueles que não conseguiram tirar um diploma universitário, o que corresponde a 149%. Isso faz do Brasil o país com maior desigualdade de remuneração nesse quesito, segundo dados do estudo Education at a Glance, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), divulgado em 2017, em Paris.

O relatório analisou 35 países membros da OCDE e outros 11 que não integram a organização e aponta o Brasil com apenas 15% dos jovens entre 25 e 34 anos matriculados no ensino superior. Somente este dado deveria destacar a importância do ensino superior como meta de governo para o desenvolvimento econômico e social do país. Investir em universidades deixaria de ser um posicionamento utópico e se concretizaria como elemento transformador de uma sociedade. Não envidar esforços para modificar esta realidade é perpetuar um sistema onde ricos se tornam mais ricos e pobres continuam pobres, sem acesso à universidade.

Fotos de divulgação

 

Impactos social e econômico da
universidade pública no norte do ES

A força de uma universidade pública pode ser sentida bem perto de nós.  Desde 1990 a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) se faz presente no Norte capixaba, inicialmente implantada na forma de uma Coordenação, composta por quatro cursos e que, em 2016, ampliou sua estrutura, criando o Centro Universitário Norte do Espírito Santo (Ceunes) com 17 cursos de graduação e 4 de pós-graduação na atualidade. Sem dúvida, qualquer mateense conhece alguém que estuda ou que se formou no Ceunes e sabe do impacto positivo disto na vida desta pessoa.

Inegavelmente, a chegada da Ufes em São Mateus propiciou modificações sociais e econômicas em nossa cidade, melhorando a qualidade de vida do mateense, já que egressos do Ceunes passaram a ocupar diversas funções em setores importantes da economia, da educação, da administração pública e de bens e serviços.  A presença da universidade pública no norte capixaba vem mudando a estrutura social da região.  Mas o impacto socioeconômico causado pelo Ceunes tem abrangência geográfica muito maior, envolvendo 75 municípios pertencentes ao norte do Espírito Santo, sul da Bahia e nordeste de Minas Gerais, oferecendo educação superior pública de qualidade a uma população de dois milhões de habitantes.

Embora a chegada da universidade pública no norte do Espírito tenha sido promotora de importantes modificações sociais, sua capacidade de ampliar positivamente o desenvolvimento regional encontra-se estagnado, por situações endógenas à própria universidade, que a mantém arraigada a um status miope que a impede de ser amplamente coletiva. Daí a dificuldade de se pensar a universidade como promotora do domínio do saber humano e que o cultive não como vaidade acadêmica ou cultura erudita, mas com o objetivo de, montada nesse saber, pensar em construções coletivas para uma sociedade mais justa.

De fato, a experiência da vida acadêmica é marcada por processos que denotam práticas já consolidadas e, talvez por isso, naturalizadas no processo de construção do saber científico, das práticas pedagógicas e, inclusive, das formas administrativas de condução da estrutura universitária. Observar a universidade do ponto de vista de uma estrutura pública onde o seu objetivo é prover educação para todos pode proporcionar tensionamentos importantes, no sentido de rever práticas tradicionais adotadas pela própria universidade.

Não obstante, dentro de uma estrutura universitária há pensamentos de que ela não é para todos. Um exemplo prático para dar luz a esta ideia é a discussão sobre a criação do curso de medicina no Ceunes, mas que equivale para qualquer outro curso neste Centro. Embora haja o apelo popular e a concordância de todos os mateenses sobre o quão importante seria um curso de medicina para nossa região, esta discussão perpassa em outros setores da universidade que sobrepõem os interesses pessoais e políticos internos sobre o nosso tão esperado desenvolvimento regional.

Assim, a ideia de promover o desenvolvimento socioeconômico de uma região, torna-se, no mínimo, secundário, do ponto de vista da função de uma universidade. Questões como essas nos fazem refletir sobre a importância de uma estrutura universitária no norte do Espírito Santo independente da administração da UFES, ou seja, uma nova universidade Federal. E por que não?

Por que mais universidades
públicas no Espírito Santo?

Segundo dados do IBGE de 2010 [último censo], o Estado do Espírito Santo é um dos estados com maior desenvolvimento econômico da federação, sendo o quarto estado em renda per capita do Brasil. Além disso, o estado possui a segunda maior expectativa de vida (78 anos), a menor taxa de mortalidade infantil do país (7,8 mortes por 100.000 crianças nascidas) e um Índice de Desenvolvimento Humano médio (IDH-M) muito alto (0,802). Infelizmente, estes indicadores não são homogêneos no estado, apresentando-se piores quando consideramos a região norte capixaba isoladamente.

De fato, tomando São Mateus como referência, observamos que a renda média da população norte capixaba é bem inferior aos valores de renda média do Brasil e do Espírito Santo. Vale lembrar que São Mateus apresenta a maior renda per capita da região norte. Em 2010, enquanto a renda média do Espírito Santo ultrapassava a brasileira chegando a R$ 1.300,00 por mês; a renda média per capita da região norte capixaba (representada por São Mateus) era em torno de R$ 700,00. O valor da renda média da região norte capixaba era praticamente a metade da renda média do estado.

A explicação para o desenvolvimento econômico tão desigual no estado do Espírito Santo com certeza passa pelo fato que a riqueza do estado não ser traduzida em vagas públicas de ensino superior. O Espírito Santo conta hoje apenas com uma universidade pública, a Ufes. Além desta, o Espírito Santo conta com outras duas Instituições de Ensino Superior (IES) públicas, a Fames (Faculdade de Música do Espírito Santo, localizada em Vitória e específica para o curso de Música) e o Ifes –Instituto Federal do Espírito Santo– com vários campi espalhados pelo estado, inclusive com um campus em São Mateus.

Além do Espírito Santo, os estados de Sergipe, Acre, Roraima e Rondônia possuem apenas uma universidade federal, sendo que esses estados têm n

o máximo a metade da população capixaba. Quando comparamos o número de vagas em graduação pública, o Espírito Santo oferece apenas 30.000. Este valor é ínfimo quando comparamos estados que têm tamanho populacional similar ao Espírito Santo, como Paraíba e Rio Grande do Norte que oferecem 76.000 e 55.000 vagas públicas de graduação, respectivamente. A situação se torna mais calamitosa quando lembramos que o PIB per capita do Espírito Santo é de R$ 27.000,00, enquanto o do Rio Grande do Norte é de R$ 12.000,00 e o da Paraíba é de R$ 10.000,00.

Como pode ser visto, não faltam razões para a criação de uma universidade autônoma e independente no norte capixaba. De quem é o interesse de que o estado do Espírito Santo seja o menos agraciado proporcionalmente por vagas de educação pública, seja na graduação, seja na pós-graduação?

Dito isso, é importante ressaltar que as universidades públicas possuem autonomia para o planejamento, realização de suas atividades e aplicação de seus recursos. O que não é possível, a partir do atual contexto, é desconsiderar o aspecto político presente na lógica universitária e esse sim, irá determinar em que medida a finalidade da universidade pode promover desenvolvimento e justiça social em um país marcado há tanto tempo pela naturalização da desigualdade social.

Foto de destaque: TC digital

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