FELIPE CORONA
PORTO VELHO, RO (FOLHAPRESS) – Enquanto muitos curtem o início das férias escolares, existe um grupo de crianças brasileiras privadas de um dos direitos mais básicos: estudar. Desde outubro de 2018, centenas de alunos ribeirinhos e da zona rural de Porto Velho estão em casa, sem ir à aula, porque não há ônibus escolar e nem voadeiras (pequenas lanchas).
A quantidade de alunos sem estudar em Porto Velho é uma incógnita: a prefeitura diz que já foram mil e agora são 500 nesta situação. Outros órgãos estimam que o número pode ser maior.
Segundo o Sintero (Sindicato dos Trabalhadores em Educação em Rondônia), a situação atinge milhares de estudantes, porque há 15 escolas fechadas –algumas atendem 200 alunos. E o efeito é cascata: até existe quem mora do lado do colégio rural e iria a pé, mas como a maioria dos colegas não consegue chegar sem condução, o jeito foi fechar as portas para todos.
Essas crianças já não haviam completado o ano letivo de 2018. Alguns já estão sem transporte desde 2017. Com a chegada deste dezembro e sem solução para o caso, o prefeito Hildon Chaves (PSDB) confirmou que também o ano letivo de 2019 foi perdido para muitos desses alunos.
É o caso de crianças e adolescentes de Cujubim Grande, a apenas 35 km do centro da capital de Rondônia, Porto Velho. A reportagem já havia visitado as crianças no final de junho. Pouca coisa mudou de lá para cá, e a maioria continua sem estudar.
A escola Deigmar Moraes de Souza começou desde o último dia 9 de dezembro a reabrir as portas. Algumas salas, porém, contam no máximo, com seis alunos, quando deveriam ser 39 ou 40.
André Lucas, 14,  terminaria o Ensino Médio com 16 ou 17 anos e já faria o Enem, em busca do sonho de ser engenheiro civil, como um dos tios. Por causa do problema no transporte, isso vai demorar a acontecer. “É o jeito, correr atrás do tempo perdido”, lamenta ele.
Mas sem transporte escolar, ele conseguiu ir para escola apenas 24 neste ano. A esperança da família é que ele volte a estudar em Humaitá (AM), a 200 quilômetros dali. “Dói demais ter que deixar meu filho ir para outra cidade, morar com a avó paterna”, diz a mãe, Andréia Carril.” Mas é o futuro dele que está em jogo. Era para ele ir pro 1º ano do Ensino Médio, e ele vai começar no 7º ano lá em Humaitá.”
O pai de André é garimpeiro, e a mãe, dona de casa. Quando os dois precisam se ausentar, André e o irmão Aldemir Júnior, 6, ficam com a avó, que acumula problemas de saúde. Não há vaga para Aldemir na Deigmar Moraes.
Vizinho à escola, Auriel Morais, 8, deveria concluir o terceiro ano do fundamental. Ele ainda não saiu do segundo. “Comigo, de manhã [nesta reabertura, em dezembro], foram só seis alunos. Muita gente não consegue vir”
A mãe, Daiane Tomás, está insegura, pois não sabe como tantas aulas serão repostas. “As aulas começaram dia 9, aí no dia 20 param por conta do recesso natalino. Disseram que iam fazer uma reunião para explicar como seria a reposição desses dias, mas até agora, nada.”
Conselheiros tutelares como Naiane Charlton relatam o transtorno da situação para as famílias. “Muitas famílias se submeteram a vir para a cidade [zona urbana] passar dificuldades, morar de favor nas casas alheias, para assim os filhos estudarem.”
Dos 11 ônibus, hoje, há dois. Das três voadeiras, ficaram duas. “Se quebra um ônibus, complica tudo que já está bem difícil. Tem uma menina, pela manhã, que anda 4 km para chegar aqui. O pai vai com ela por um ramal, a deixa na beira da estrada, e ela vem sozinha”, disse um servidor da escola que pediu para não ser identificado.
O prazo para resolver o impasse, agosto, não foi cumprido pela prefeitura. A nova promessa é que haverá ônibus suficientes a partir de março de 2020, após nova licitação para comprar uma frota própria.
O imbróglio se estende desde 2014, na gestão de Mauro Nazif (PSB), hoje deputado federal, quando o contrato foi interrompido e retomado algumas vezes. Há quatro ações no Ministério Público, com decisões judiciais para o serviço ser reiniciado, mas nada foi cumprido. Até o momento ninguém foi preso ou multado.
A intervenção no transporte escolar de Porto Velho por 45 dias foi declarada após a Operação Carrossel, deflagrada pela Polícia Federal e Controladoria-Geral da União (CGU), no começo de setembro. O governo estadual deveria assumir o serviço.
Na ocasião, um ex-secretário municipal de Educação, uma chefe de departamento da Secretaria Municipal de Educação e empresários do transporte chegaram a ser presos por suspeita de desvio de recursos federais repassados para o transporte.
Procurada, a prefeitura diz que regularizar os ônibus e voadeiras passou a ser uma tarefa do governo estadual, se referindo à intervenção judicial. O governo estadual, em nota, porém, diz que lhe cabe só o serviço de lanchas, e que ele está regular.

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