PHILLIPPE WATANABE
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os 3.358 focos de queimada registrados na Amazônia no último dia 22 representam o maior valor para o mês de agosto desde 2002, apontam dados do programa Queimadas, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais).

Em 23 de agosto de 2002, foram registrados 3.548 focos de calor. No dia 25 daquele mês, outras 3.300 queimadas foram capturadas pelo satélite do Inpe.
Nenhum outro dia de agosto dos últimos 20 anos ultrapassou os 3.000 focos de calor. Os meses de agosto e setembro costumam ser os com maiores números de queimadas na Amazônia.

A análise da reportagem compara somente os valores correspondentes a agosto e parte de 2002. Foi nesse ano que entraram em operação novos e mais sensíveis sensores do Inpe para queimadas.

O número de focos no último dia 22 é elevadíssimo, considerando as últimas duas décadas. Além dos três dias em que um dado tão expressivo foi registrado, outros poucos, em 2003, 2004 e 2005, aproximaram-se dos 3.000 focos em 24 horas.

Vale destacar que 2004 e 2005 foram anos recordistas de queimadas. O início do século 21 foi marcado por enormes desmatamentos na Amazônia. Considerando que desmate e queimadas são ações interligadas, é de se esperar que, em momentos de grande derrubada, haja também grandes focos de fogo.

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Em linhas gerais, após derrubar a mata, os desmatadores deixam a matéria orgânica no solo e, no período seco da Amazônia, ateiam fogo nesse material para “limpar” a área.
A maior floresta tropical do mundo vive um momento de intensa e crescente derrubada, situação acentuada com o início do governo Jair Bolsonaro (PL). No mesmo dia em que mais de 3.300 focos foram registrados, o atual presidente, em campanha, concedeu entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, na qual afirmou: “Acontece [fogo]. Grande parte disso aí…alguma parte disso aí é criminoso, sei disso. Outra parte não é criminoso. É o ribeirinho que toca fogo ali na sua pequena….”

Queimadas no Pantanal. Foto: Reprodução

Costumeiramente, nos períodos secos do país (a partir de junho), o uso de fogo fica proibido, exatamente para evitar incêndios sem controle.
Em outros momentos de sua gestão, Bolsonaro minimizou as queimadas e desmatamentos no país, entrando em rota de colisão com o ex-diretor do Inpe e agora candidato a deputado federal, Ricardo Galvão. O presidente e candidato à reeleição, em outros momentos, culpou indígenas pelas queimadas.

Em discurso na Assembleia-Geral da ONU, em 2020, Bolsonaro disse: “Os incêndios acontecem nos mesmos lugares, no entorno leste da floresta, onde o caboclo e o índio queimam seus roçados em busca de sua sobrevivência, em áreas já desmatadas”. A afirmação não encontra respaldo na realidade.

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O número de queimadas registrado na última terça (22) chega a superar o que ficou conhecido como “dia do fogo”, no qual produtores rurais combinaram para um mesmo período queimas de pasto e áreas em processo de desmate. Nos dias 10, 11, 12, 13 e 14 de agosto de 2019 foram registrados, respectivamente, 1.173, 2.366, 1.314, 2.302 e 2.153 focos de queimadas.

Há quatro cidades do Amazonas (Apuí, Novo Aripuanã, Lábrea e Manicoré) e quatro do Pará (Novo Progresso, Altamira, São Félix do Xingu, Itaituba) na lista de municípios com mais queimadas na última terça.

O dia 22 poderia ser só um ponto fora da curva, mas, desde a semana passada, têm sido registrados dias com elevados números de queimadas para o mês. No dia 17, foram mais 2.233 focos. Na quarta (24), foram 2.475.

Os dados dos últimos sete dias (18 a 24 de agosto) também mostram uma situação acima do normal para o mês: 13.459 queimadas nesse espaço de tempo. É o maior número de focos de incêndio, para uma única semana de agosto, dos últimos 12 anos -superando, inclusive, o período ao redor do “dia do fogo”.

Na última década, um espaço de tempo de sete dias só teve números acima de 10 mil focos em 2019 e 2014. Em 2010, também houve o registro de um período de uma única semana com pouco mais de 14 mil focos.

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O QUE EXPLICA TANTO FOGO?

A pesquisadora Ane Alencar, diretora de ciência do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), afirma que o tempo atual na Amazônia pode ser uma explicação para a concentração de queimadas. Segundo ela, a estação chuvosa foi um pouco além do costumeiro e, consequentemente, o período de queima de áreas desmatadas teve início tardio.

Ou seja, menos tempo e, consequentemente, necessidade de maior concentração de queimadas para “limpar” áreas derrubadas.
De fato, a média de focos diários de queimadas das primeiras duas semanas do atual mês de agosto é inferior às médias dos últimos três anos (desde o início do governo Bolsonaro).

Porém, diz a especialista, se houve desmate, haverá fogo. Não queimar uma área derrubada significa perder dinheiro, basicamente.
“A não ser que as pessoas abandonam o ‘investimento’ que é derrubar uma área. Derrubar e não queimar é um prejuízo”, afirma Alencar.

A situação do fogo para o mês como um todo, porém, só ficará clara nos próximos dias. Os valores totais para agosto, até o momento, não estão distantes do padrão visto sob Bolsonaro.

 

Foto do destaque: Reprodução

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