O impacto da pandemia do coronavírus no País tem como efeito a dificuldade financeira e o fechamento de empresas de forma definitiva e a consequente perda de postos de trabalho. De acordo com pesquisa de consultoria realizada em abril, 54% das empresas brasileiras acreditam que a crise sanitária terá um impacto negativo nos negócios pelos próximos 12 meses.
Já conforme o Ministério da Economia, houve uma alta de 76,2% do número de pedidos de seguro-desemprego na primeira quinzena de maio com relação ao mesmo período do ano passado.
Segundo especialistas, o fato de muitas empresas fecharem as portas, irem à falência ou entrarem em recuperação judicial por conta da pandemia traz o risco de os trabalhadores ficarem sem seus direitos e se verem obrigados a buscar o auxílio do Judiciário.
“O isolamento social e a paralisação do comércio estão levando as empresas, sobretudo as de pequeno e médio portes, a utilizarem a reserva que possuem ou possuíam para pagar funcionários e contas. O baixo crescimento do País nos últimos anos e a recessão que se instala em decorrência da pandemia afetarão ainda mais o ambiente de negócios, tornando difícil a manutenção da saúde financeira das empresas e de muitos empregos” – avalia o advogado Gustavo Milaré, mediador privado e sócio do escritório Meirelles Milaré Advogados.
JUDICIÁRIO SOBRECARREGADO
O advogado Gustavo Milaré ressalta que o Judiciário atualmente se encontra sobrecarregado e que a tendência é que isso piore a partir do segundo semestre por conta da pandemia. “Já é esperada uma verdadeira enxurrada de processos, principalmente de recuperação judicial. Tais razões evidenciam que o momento é de diálogo, empatia e negociação”.
Uma possível mudança aprovada pela Câmara dos Deputados que pode agravar o cenário é a suspensão dos pagamentos de acordos trabalhistas judiciais ou extrajudiciais até 31 de dezembro para empresas que tiveram as atividades paralisadas na crise sanitária.
Foi incluída emenda na MP 927/20, que ainda necessita ser aprovada pelo Senado Federal e que vale para acordos realizados para quitar ações trabalhistas ou a rescisão do contrato de trabalho, assim como para trabalhadores que aderiram a Plano de Demissão Voluntária (PDV) e recebem os benefícios em parcelas.
Na opinião de Daniel Moreno, advogado especialista em Direito do Trabalho e sócio do escritório Magalhães & Moreno Advogados, a suspensão dos pagamentos dos acordos trabalhistas deve gerar insegurança jurídica. “Várias empresas, abertas inclusive, que tiveram movimento reduzido vão alegar que se enquadram e vão querer suspender os pagamentos. O único efeito que vejo será o de tumultuar o Judiciário”, prevê.
Moreno avalia que a mudança busca proteger as empresas e acaba por deixar de lado os trabalhadores, que são a parte mais vulnerável aos efeitos da pandemia nas relações de trabalho. “O trabalhador é o mais necessitado nesse momento e está contando com esse dinheiro porque fez um parcelamento na Justiça do Trabalho. Provavelmente, abriu mão de alguns valores, aceitou um valor menor para fazer o acordo, fez o parcelamento e ainda vai ter esse acordo suspenso, sendo que está contando com esse dinheiro”, alerta.
Para o advogado Ruslan Stuchi, é necessário que trabalhadores e empregadores se unam para enfrentar o atual momento. “Todos devem colaborar e serem compreensíveis, devendo sempre observar os direitos e garantias dos trabalhadores, assim como as condições em que os empregadores se encontram, gerando menos demissões e o não aumento de ações trabalhistas”, finaliza.
SUSPENSÃO DE CONTRATOS
Como forma de sobrevivência, muitas empresas têm optado por suspender contratos de trabalho ou reduzir de forma proporcional os salários e a jornada de trabalho em 25%, 50% ou até 70%, após aderirem ao programa da Medida Provisória (MP) 936, no qual o governo faz a cobertura dos salários até o limite do teto do seguro-desemprego (R$ 1.813,03).
Neste caso, há regras específicas. “A empresa não poderá demitir o trabalhador durante a vigência do contrato e o empregado terá garantia de estabilidade por tempo igual ao que teve seu salário reduzido ou suspenso o seu contrato de trabalho”, explica Ruslan Stuchi, sócio do escritório Stuchi Advogados.
Atualmente, é permitido que as empresas mantenham a suspensão por até 60 dias e, a redução do salário e jornada, pelo prazo máximo de 90 dias. Entretanto, o Senado Federal já autorizou que o Governo Federal faça a ampliação dos prazos.
Gustavo Milaré destaca que empresas que entram em recuperação judicial podem reduzir os salários e a jornada de trabalho mediante acordo ou convenção coletiva. “Não pode haver, porém, a suspensão do pagamento dos salários, já que o empregado que continuar trabalhando na empresa durante a recuperação judicial deve ser pago normalmente”, ressalta.
As empresas nesta situação podem também pagar créditos trabalhistas ou decorrentes de acidentes de trabalho em até um ano após a aprovação do plano de recuperação. Esse plano não pode prever prazo superior a 30 dias para o pagamento de salários vencidos nos três meses anteriores ao pedido de recuperação judicial e tem o limite de até cinco salários mínimos por trabalhador, soma que totaliza hoje o valor de R$ 5.225.
AÇÕES TRABALHISTAS
De acordo com os especialistas, o não pagamento das verbas rescisórias pelas empresas tem sido um dos principais motivos para trabalhadores ingressarem com ações na Justiça durante a pandemia.
Levantamento do Termômetro Covid-19 na Justiça do Trabalho demonstrou que os valores relacionados às verbas rescisórias na primeira instância, por conta da crise sanitária, já haviam alcançado a cifra de R$ 1 bilhão em abril.
Advogada especialista em Direito do Trabalho do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados, Bianca Canzi afirma que a dispensa do empregado deve obedecer às regras habituais da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) mesmo que ocorra durante a crise sanitária.
“O empregado que é dispensado sem justa causa tem direito ao aviso-prévio proporcional ao tempo de serviço, que poderá ser de até 90 dias. Também receberá o saldo de salário, férias proporcionais, férias vencidas e os 40% de seu saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)” – explica.
É possível ingressar com reclamação trabalhista para obrigar a empresa a pagar tudo o que é devido, além de indenização que pode chegar a 100% do salário a que o empregado tem direito. No caso da falência, há a possibilidade ainda de a Justiça determinar a desconsideração da personalidade jurídica da empresa e a penhora dos bens dos proprietários. “A melhor saída é tentar resolver de forma amigável com o empregador, viabilizando para ambas as partes”, pondera Bianca Canzi.
São Paulo-SP