WÁLTER NUNES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O professor de direito penal da USP (Universidade de São Paulo) David Teixeira de Azevedo, criminalista com clientes na Lava Jato, é casado com a mesma mulher há mais de 40 anos. Nunca mudou de ramo profissional, de nacionalidade e muito menos de religião. É evangélico da Igreja Batista.

Em campanha publicitária, Corinthians faz analogia a crucificação de Jesus em trave de futebol. Foto: Reprodução

No ano passado, porém, ele substituiu o alvinegro do Corinthians pelo verde e branco do Palmeiras. “Sou palmeirense noviço”, define-se David Azevedo.
O motivo da conversão foi uma campanha publicitária do Corinthians, lançada em fevereiro de 2019, chamada “Corinthianismo – Fiel até o fim”, que apresentava o time como uma religião. O trabalho foi desenvolvido pela agência de publicidade F/Nazca Saatchi & Saatchi, contratada pelo então diretor de marketing do clube, Luís Paulo Rosenberg.
O vídeo promocional do “corinthianismo” apresentava imagens inspiradas em passagens do cristianismo. Numa cena, um torcedor atravessava o gramado carregando uma cruz nas costas. Em outra, um corintiano era pregado de braços abertos no travessão do gol.
O ex-jogador Sócrates, morto em 2011, foi elevado ao patamar de santo do “corinthianismo”, e sua imagem ocupava o centro de um altar com velas e um terço. O advogado se sentiu ofendido com as referências religiosas.
“A campanha zomba da minha fé. Um clube que lança uma propaganda desse modo, se apropriando desses valores, dessas crenças, faz uma campanha de um conteúdo fundamentalista misturando religião com futebol. São dois temas que por si só são nitroglicerina. Você juntar os dois é para explodir”, diz David.

Foto: Reprodução

“Eu falei o seguinte: não faz sentido eu ficar torcendo para um time que não bate com os valores superiores da alma, com as minhas convicções mais especiais. Não vale ficar com um time que zomba da minha fé, que escarnece dos meus símbolos.”
A decepção aumentou quando chegou o Carnaval e a principal torcida uniformizada do clube, a Gaviões da Fiel, que também tem uma escola de samba, desfilou com um samba-enredo que tratava da luta do bem contra o mal.
“A Gaviões da Fiel mostra o diabo vencendo e Jesus sangrando no chão. O diabo em cima com o tridente vencendo Jesus”, diz David. “Eu não podia aceitar aquilo.”
O professor universitário não foi o único a se revoltar na ocasião. Entidades religiosas protestaram contra a campanha do “corinthianismo” e o tema da escola de samba. A polêmica foi um dos fatores que acabaram derrubando do cargo o diretor de marketing do clube, Luís Paulo Rosenberg.

Camisetas da campanha Corinthianismo. Foto: Reprodução

“Foi aí que eu decidi não torcer mais para o Corinthians”, diz David. Faltava, então, escolher o novo time, e o advogado resolveu que era hora de se juntar ao pai na arquibancada.
David, de 61 anos, é filho de Irland Azevedo, 85, pastor da Igreja Batista. Naturais do Rio de Janeiro, eles mudaram para São Paulo no início da década de 1970. Na época, o pai torcia para o Fluminense, e o filho, para o Flamengo. Na capital paulista, acharam por bem mudar de time para continuar participando ativamente do mundo do futebol.
Irland escolheu o Palmeiras, que na época tinha um time apelidado de academia de futebol, por acumular títulos jogando bonito. Mas não foi a excelência em campo que o convenceu. “A escolha pelo Palmeiras foi por causa do verde da camisa, igual a uma das cores do Fluminense. Foi uma afinidade cromática”, diz o pastor.
Já o advogado preferiu o Corinthians, na época amargando um jejum de títulos que duraria 23 anos. A identificação foi mais pelo o que encontrou na arquibancada do que no campo.
“O time estava na fila, mas era o mais popular, com maior torcida. Era um pessoal que gostava de jogar futebol. Eu sempre gostei de jogar futebol”, diz David.
A paixão durou quatro décadas. Até o início do ano passado, o advogado tinha oito camisas do Corinthians na gaveta. Doou todas aos seus colegas de futebol, também evangélicos, mas não sem antes provocar.
“Sou um pecador que encontrou um bom caminho depois do amargo arrependimento após uma vida inteira em pecado abominável”, disse, em tom de piada. Ouviu de volta do amigo que era para tomar cuidado, já que “a coisa ruim se veste de verde para enganar aqueles que andam no caminho”.
O advogado afirma que, apesar do desgosto pela mistura de futebol e religião, considera que a fé pode sim frequentar os campos de futebol.
“Uma coisa é cada um mobilizar as forças espirituais a favor de seu time. Então eu vou ajoelhar aqui para fazer o meu time ganhar a final, o muçulmano vira para Meca. Isso é uma coisa completamente legítima. Agora, o time querer transformar-se em objeto de fé é uma coisa completamente diferente. Isso não pode”, argumenta David.
“Ele agora está no bom caminho”, diz com sorriso no rosto o pai e pastor Irland.

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