GUSTAVO FIORATTI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um grupo do ramo do teatro musical que tem como integrante Carlos Cavalcanti, vice-presidente da Fiesp, encontrou uma brecha na Lei Rouanet que permitiu captação de recursos acima do teto determinado pela norma.
Considerada regular e com aval da Secretaria Especial da Cultura, a proposta foi aprovada por meio da criação, por Cavalcanti e dois sócios, de um instituto sem fins lucrativos, o Artium, em 2019.
Esse tipo de entidade social desfruta de privilégios legais na Rouanet e pode inscrever projetos com orçamentos superiores àqueles apontados na instrução normativa da lei.
Para 2020, o Artium inscreveu na lei um projeto de R$ 36 milhões, que foi aprovado com redução de valores. Para tocar o programa, foi autorizado a captar cerca de R$ 25 milhões -R$ 15 milhões acima do valor permitido a projetos de entidades privadas.
Questionado, o Ministério do Turismo afirmou em nota que as regras para planos anuais “não delimitam as linguagens artísticas que podem ser contempladas nos planos”. O comunicado também diz que a consultoria jurídica da pasta foi acionada e “deve emitir parecer em breve”.
Em abril do ano passado, com a publicação de uma instrução normativa, Bolsonaro reduziu o limite de captação de R$ 60 milhões para R$ 10 milhões por proponente e R$ 1 milhão por projeto, o que causou preocupação principalmente entre representantes do teatro musical, cujas produções são movidas por grandes orçamentos.
Em dezembro, por pressão de produtores do segmento, o teto por projeto voltou a subir e chegou a R$ 10 milhões. Hoje, uma produtora pode inscrever dois projetos de R$ 5 milhões, por exemplo, ou um de R$ 10 milhões. Mas não pode captar mais do que isso.
As exceções dentro da lei são para entidades que não sobreviveriam sem incentivo do Estado, caso do Masp e da Osesp, por exemplo.
Como fundações, as instituições mantêm suas atividades por meio do que é conhecido como plano anual -no qual são contabilizados gastos com estrutura e um programa de eventos, incluindo atividades educativas e a oferta de programas sociais.
A criação do Instituto Artium aconteceu entre junho e julho do ano passado, cerca de três meses depois da redução do teto na Lei Rouanet pelo governo Bolsonaro.
Esse fato traz ao cenário uma pergunta: a exceção para planos anuais permite uma brecha legal para que demais perfis de produção artística consigam ter benefícios que a priori não teriam?
O Artium foi criado por Carlos Cavalcanti e Vinicius Munhoz, que são ligados a uma produtora, a Ateliê de Cultura. Com a Artium, eles conseguiram aprovar na Lei Rouanet, em dezembro do ano passado, um plano anual que incluía a produção de três peças: “Charlie e a Fantástica Fábrica de Chocolate”, “Oliver!” e “Um Estranho no Ninho”.
Além dos espetáculos, a descrição do projeto prevê a manutenção de uma casa em Higienópolis, onde funcionará a sede do instituto, a reedição de partituras musicais, incluindo composições de Carlos Gomes, e cursos gratuitos relacionados ao universo dos musicais, entre outros itens.
O texto do projeto diz que o Instituto Artium de Cultura foi fundado “com o intuito de consolidar-se como espaço cultural, com programação anual de atividades permanentes e sem fins lucrativos, com o objetivo de aproximar o público a projetos e ações educativas que envolvem as artes cênicas”.
A sede é uma casa de 1920 tombada pelo Conpresp, órgão municipal de preservação do patrimônio. Ela estaria “aberta ao público a partir de janeiro de 2020, principalmente para a realização de suas ações educativas e administrativas”.
A reportagem tentou uma visita à casa, porém ela permanecia fechada, não havia campainha e havia andaimes na parte frontal da edificação.
Segundo Cavalcanti, ela está sendo pintada e readequada segundo normas do Conpresp. O instituto, diz ele, funciona hoje com 20 funcionários. A intenção é abrir a casa em março, diz o produtor.
Como vice-presidente da Fiesp, Cavalcanti promoveu, no final do ano passado, uma reunião com Roberto Alvim, então secretário da Cultura de Bolsonaro, e com outros artistas e produtores ligados a musicais. Nessa reunião, foi anunciado o aumento do limite de captação para o setor na Rouanet.
“Se eu achasse que o problema estava resolvido com a criação do instituto, eu não estaria nas reuniões com o Alvim. Eu não teria estimulado essa situação. Eu fui até o fim para conseguir o teto de R$ 10 milhões, e isso aconteceu dentro da Fiesp. Isso resolveu o problema de praticamente todos os produtores de teatro musical do Brasil”, diz Cavalcanti.
O produtor esteve à frente de produções musicais como as peças “A Madrinha Embriagada”, “O Homem de La Mancha”, “A Noviça Rebelde” e “Billy Elliot”. Ele também é o responsável pelo curso de formação de atores em teatro musical do Sesi São Paulo.
Cavalcanti diz que “tinha a ambição de produzir cultura de uma forma mais ampla”, e que, por isso, decidiu criar o Artium. Para o produtor, “a instrução normativa, que reduziu o limite para R$1 milhão estava “bem errada”. Ele acha que Bolsonaro tem um preconceito contra a cultura.
O produtor conta que deixou o Ateliê de Cultura, onde realizou por exemplo o espetáculo “Billy Elliot”, para começar a tocar o projeto do plano anual do Artium. Ele aponta que a opção de produzir espetáculos por meio de um instituto o privam de uma vantagem que teria no setor privado, a distribuição de lucros entre associados.
“Em 2020 o Artium apresentará um outro plano anual, que conterá provavelmente dois musicais, que poderiam ser feitos em empresas privadas e que poderiam ter resultado comercial em uma empresa privada”, diz.

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