Ponto culminante do mistério de Cristo, conteúdo da pregação apostólica, fundamento de fé cristã, pano de fundo da missão da Igreja, de seu querigma e catequese, é a confissão de fé de Pedro, feita, também, em nome dos outros Apóstolos, em Cesareia de Filipe: “Tu és o Cristo”. No hebraico, o termo “mashiáh” e, no grego, “christós” ou “messias”, significa “o ungido do Senhor”, enviado para realizar uma grande missão a favor de seu povo. Também, Mateus refere esta confissão de Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo” e Lucas: “Tu és o Cristo de Deus”.
A figura do Messias nasceu principalmente das grandes desilusões, sofridas pelo povo de Israel. A monarquia, pedida com insistência pelo povo – contrariando a vontade de Deus – revelou-se logo uma opção desastrosa: Saul, um psicopata, desapareceu logo da cena; Davi, feroz e sanguinário, com astúcia e violência, construiu um grande e forte Estado unitário; Salomão, filho dele, megalômano e déspota, – morreu idólatra –, na sua mania de grandeza construiu um Templo grandioso em honra de Javé, carregando, porém, o seu povo de taxas e impostos. Seus descendentes: “Fizeram todo mal aos olhos do Senhor” – anota tristemente o Livro Sagrado. Os dedos da mão são muitos para contar as excepções.
Nasceu, assim, no povo de Israel, a esperança de um Messias, que iria expulsar, com a violência, os Romanos de seus territórios; purificar o Templo de toda profanação e restaurar o reinado de Davi. Jesus nunca afirmou ser Ele o Messias; preferiu, ao invés, definir-se: “o Filho do Homem”. A palavra “Messias”, naquele contexto social, era ambígua: significava “um libertador político”. Também, os discípulos tinham uma visão nacionalista do Messias.
Estas expectativas populares estavam, porém, às antípodas do projeto de Deus: Jesus era, sim, “o Messias”, mas, não do trono de Davi, mas “da cruz”; um “Messias perdedor”, o “Servo Sofredor de Javé”, um Rei sem súditos, sem exércitos, sem territórios, sem armas, sem posses financeiras, que se cinge de avental, em atitude de servo, para se doar e dar sua vida, a fim de que todos tivessem “vida e vida em abundância; um Messias, cuja missão era transformar o coração humano, de pedra, em carne; “o poder“, de “exousia” em “diaconia” e a ambição de dominar e acumular, na atitude de servir e partilhar; um Messias, que não sacrifica a vida dos outros, mas a sua própria vida.
O Reino, inaugurado por Cristo, é, assim, uma sociedade alternativa, cujo centro é a adoração ao Pai “em espírito e em verdade” e a dignidade de todo ser humano, elevado â altíssima dignidade de filho de Deus; uma sociedade, amostra grátis das relações, que existem na Trindade: igualdade, liberdade e fraternidade, em que “os últimos são os primeiros e os primeiros são os últimos”. Construir o Reino de Deus, dia a dia, na história humana, é a sublime missão, que todo discípulo de Jesus recebe: ela não é um fardo pesado, que escraviza e humilha, mas uma asa, que dignifica e eleva, toda pessoa humana.
(*Padre Ernesto Ascione é missionário comboniano.)
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