BRUNO RODRIGUES*
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Em 2015, o técnico Tite, então no Corinthians, participou de um debate em São Paulo sobre dois livros que haviam sido lançados recentemente no Brasil: “Guardiola Confidencial” e “Mourinho Rockstar”.
Questionado a respeito de suas impressões da obra de Pep Guardiola, marcante pelo fato de o catalão permitir ao autor Martí Perarnau acesso irrestrito aos bastidores de toda a sua primeira temporada no Bayern de Munique (ALE), o treinador corintiano admitiu que não se sentiria à vontade em expor seu trabalho dessa forma.
Agora comandante da seleção brasileira, Tite, mesmo com resistência, precisou abrir uma exceção.

Técnico Tite. Foto: Reprodução

Na última sexta-feira (31), a plataforma de streaming Amazon Prime Video lançou a série documental “Tudo ou Nada: Seleção Brasileira”, que narra, sob a perspectiva da equipe nacional, a conquista do Brasil na Copa América de 2019. Antes cético em relação a iniciativas como essa, o treinador é quem protagoniza a narrativa do título.
“Eu inicialmente também tinha uma opinião contrária [à série] e coloquei isso para eles [Amazon]. O que me demoveu? A gente teria um convívio diário, mas houve também momentos em que eu tive a privacidade. Porque era um momento muito importante, a necessidade de resultado era imperiosa”, disse Tite em conversa com jornalistas na última quinta (31).
Para o diretor da série, Felipe Briso, trata-se de uma relação de confiança. “Qualquer deslize nesse processo, a porta se fecha mais rápido do que abriu. A gente estava ali tentando fazer o nosso melhor, mas com cuidado e um respeito muito grande”, afirmou.
Tite contou que houve apenas um momento em ele que se desentendeu com a produção. Foi durante uma conversa dura com os atletas, no vestiário. Quando viu a câmera se aproximando, gritou “Agora não!”. Depois, se desculpou com a equipe de filmagem.
Em cinco capítulos de aproximadamente 50 minutos cada um, a série mostra a transferência de protagonismo de Neymar, estrela e camisa 10 da seleção, para Tite, que passa a ser a figura central do documentário após o corte do atacante às vésperas do torneio.
O desenrolar da história foi mostrado à exaustão no noticiário de 2019: Neymar sentiu uma entorse no joelho esquerdo no período de treinos na Granja Comary e, dias depois, foi acusado de estupro pela modelo Najila Trindade, levando a preparação da seleção brasileira do ambiente esportivo para os programas policiais.
Em seguida, o atacante rompeu o ligamento do tornozelo direito no amistoso contra o Qatar, antes da competição, e terminou cortado do elenco que se sagraria campeão.
A série aborda, no segundo capítulo, a acusação de Najila e parte da tentativa da CBF de lidar com o caso. O jogador, inclusive, se pronuncia sobre isso em entrevista no filme.
“Eu não gosto de ser mentira. Não posso demonstrar algo para você que eu não sou. Não vou chegar e botar a minha carinha ali na internet, fingindo que eu sou santo ou anjo”, diz Neymar. “Fora [de campo] eu sou um ser humano como todos os outros. Erro. Agora, dentro do campo, não. Dentro do campo tenho as minhas obrigações, tenho que jogar bem, me doar, fazer meu máximo. Ali sim eu aceito ser criticado.”
Em setembro, o Ministério Público do Estado de São Paulo acusou a modelo de denunciação caluniosa, afirmando que ela sabia que não havia sido estuprada, e extorsão.
A partir do depoimento do camisa 10, sua participação fica mais escassa, com declarações e aparições pontuais ao longo dos outros capítulos, como nas visitas ao vestiário após as vitórias do time na Copa América.
Alguns atletas, casos de Daniel Alves, Arthur e Gabriel Jesus, têm suas histórias contadas mais detalhadamente, com filmagens nas cidades onde nasceram e entrevistas com familiares. Elas vão sendo diluídas na medida em que vários outros jogadores aparecem para também contarem as suas trajetórias. Nenhuma delas com grandes revelações.
Essa divisão de atenção entre os jogadores é o que faz Tite se sobressair na trama.
O lançamento da Amazon revela um ritual praticado pelo técnico nas preleções dos jogos. Depois de falar com o grupo, que senta diante de um telão com as cadeiras em formato de U, o comandante cumprimenta um por um, quase sempre com (mais de) uma palavra de motivação. Só depois de completar a ronda de cumprimentos é que os jogadores se levantam.
Os enfrentamentos contra a Argentina, na semifinal, e Peru, na decisão, mostram um técnico preocupado com os principais jogadores dos rivais, apesar do discurso oficial de que não pode se preocupar com um nome só. Paolo Guerrero e Lionel Messi merecem atenção especial por parte dele e da comissão técnica, com vídeos e recomendações sobre como marcá-los melhor.
O clímax da sinceridade de Tite vem antes disso, na partida contra o Paraguai, pelas quartas de final, quando ele diz estar “puto” com as condições do gramado da Arena do Grêmio.
“Tudo ou Nada: Seleção Brasileira” é a primeira produção nacional do Amazon Prime Video.

*O jornalista viajou a convite da Amazon

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