MARCUS ALVES
LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Passavam das quatro horas da manhã, em uma madrugada do fim de setembro, quando o ônibus do Famalicão chegou à sede do clube após cruzar os 350 km que ligam Lisboa a Vila Nova de Famalicão. Na bagagem, a vitória de 2 a 1 sobre o Sporting, fora de casa, e a manutenção da liderança na Liga Portuguesa. Um dos melhores em campo, Gustavo Assunção, filho do ex-volante Paulo Assunção, ainda tinha de pegar a estrada até a sua casa em Vila Nova de Gaia, na região metropolitana do Porto.

O percurso de meia hora, sem a companhia da delegação que conta com outros nove brasileiros, permitiu ao jovem jogador de 19 anos refletir sobre a fase que o time atravessa.

“Estamos vivendo um sonho. Ninguém esperava que estivéssemos tão bem nesta altura do campeonato”, conta Gustavo, que tem passagem pelas seleções de base e foi levado do Atlético de Madri após fim de seu contrato.

Nunca uma equipe recém-promovida da segunda divisão largou tão bem na elite portuguesa. Agora com 19 pontos em sete rodadas, um a mais do que Benfica e Porto, o Famalicão escreve o seu próprio conto de fadas após 25 anos afastado da primeira divisão e, a cada entrevista de seus representantes, suscita comparações com o Leicester, nanico inglês que ganhou a Premier League em 2016. Elas são prontamente refutadas.

Ao longo da história, excetuando o trio Benfica, Porto e Sporting, somente outros dois times venceram a Liga Portuguesa em 85 edições disputadas: Belenenses e Boavista. A atual campanha dos famalicenses impressiona. Ela causa ainda mais perplexidade ao se verificar que quatro de seus sete jogos até aqui foram fora de casa. E faz com que o seu sucesso cruze também o oceano.

No confronto com o Sporting, enquanto o Famalicão surpreendia em Lisboa, o experiente Abel Braga, de sua casa no Rio de Janeiro, não se continha.

O técnico de 67 anos tinha sido o último a conduzir o clube ao primeiro escalão, na temporada 1989/1990. A partir de então, o brasileiro virou ídolo e é reverenciado pelos torcedores de lá.

“Foi uma grande exibição no segundo tempo [contra o Sporting] que me fez lembrar quando estava em Portugal. Fomos jogar contra o Benfica certa vez e havia a revista do jogo em que eles diziam que iriam enfrentar a equipe que praticava o melhor futebol do país. E agora é sensacional ver que esse time está fazendo o mesmo”, afirma.

Até o ano passado, Abel mantinha uma casa em Vila Nova de Famalicão, que só ganhou status de cidade em 1985 e, segundo o último censo nacional (2011), possui uma população de 133,8 mil pessoas. Com uma localização estratégica no norte português, situada entre Porto, Braga e Guimarães, tem forte atuação no mercado têxtil e papel importante no comércio do País.

“Eu gosto muito das pessoas de Famalicão pela forma como me receberam. Esse tempo todo que fiquei com a casa, você veja bem, eu ia somente uma vez por ano e ela nunca foi assaltada, teve absolutamente nada. Um negócio muito espetacular. A cidade hoje é praticamente universitária e evoluiu muito desde que passei”, afirma.

Não foi apenas o seu lugar ao norte de Portugal que mudou. O representante local nos gramados passou por um processo ainda mais radical.

Isso se deu pouco mais de um ano atrás, com a transformação do Famalicão em SAD (sociedade anônima desportiva) e a compra de 51% de suas ações pela empresa Quantum Pacific Group, que pertence ao bilionário israelense Idan Ofer. Mais recentemente, o empresário, que detém também 32% do Atlético de Madri, subiu a sua participação para 85%.

O “Fama Show”, como tem sido chamado, é hoje dono do oitavo maior orçamento da Liga Portuguesa, com 7,5 milhões de euros (R$ 33,2 milhões). Benfica e Porto, por outro lado, ainda se mantêm muito distantes, com algo ao redor de 80 milhões de euros (R$ 354,4 milhões) cada um.

“A nossa gestão tem 14 meses. Para ser ter uma ideia, eram apenas 15 funcionários quando chegamos em 2018. Hoje, são 60 pessoas. Esse crescimento permitiu inaugurarmos a nossa loja oficial e agora queremos aumentar o estádio. A projeção inicial era para 7 mil, mas mudamos para 10 mil pessoas”, detalha o presidente Miguel Ribeiro.

Famalicense, Ribeiro foi o cérebro do Rio Ave por sete anos e acabou seduzido de volta para casa pelo superagente português Jorge Mendes, que cuida das carreiras de Cristiano Ronaldo e outros craques. Os dois possuem relação estreita.

Mendes foi o encarregado de intermediar o acordo entre Ofer e Famalicão e tem grande influência interna através de sua agência Gestifute. O seu nome abriu portas para a chegada de atletas de equipes como Atlético de Madri, Valencia e Wolverhampton, que, em circunstâncias normais, teriam tido possivelmente destinos mais badalados.

“Somos um clube muito bem resolvido, vivemos em harmonia com o mercado e outras empresas. Reclamam de uma relação privilegiada com a Gestifute, mas, para a gente, não poderia ser mais positiva. Temos dificuldade em compreender como podem dar uma conotação negativa, criar história em torno disso”, explica Ribeiro.

Com o seu número de sócios batendo 10 mil, o Famalicão voltará a campo no próximo dia 27, tentando mostrar força em mais um duelo difícil, uma visita ao Porto.

“É uma equipe que está conseguindo levar para campo não só o seu entusiasmo, mas também um futebol agradável demais de ver. Já começo a confiar, embora não queira me precipitar, que a gente pode começar a sonhar pelo menos com uma Liga Europa”, conclui Abel Braga, que pretende visitar o seu antigo time até o fim do ano.

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