LEONARDO SANCHEZ
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Você está de mau humor, passou horas nadando no quintal de casa e seus braços não aguentam mais. Não há escada e não adianta tentar sair pelas bordas da piscina. Você se afoga e um ente querido precisa entrar numa avassaladora disputa de pedra, papel ou tesoura com o Anjo da Morte para tentar convencê-lo a não o levar para o além.

Foto: The Sims/Electronic Arts (EA)

Sim, a cena é bizarra. Assim como muitos dos elementos que tornaram a franquia de games “The Sims” tão popular, a ponto de ser uma das dez mais bem-sucedidas de todos os tempos. Com cerca de 200 milhões de cópias já vendidas, fica à frente de títulos clássicos como “Tetris”, “Final Fantasy” e “The Legend of Zelda”.
Lançado em fevereiro de 2000 pela Electronic Arts, a EA, “The Sims” é uma cria de “SimCity”, jogo que ganhou sólida base de fãs nos anos 1990 ao permitir que eles administrassem uma cidade. O conceito é parecido mas, em vez de coisas, os gamers a partir dali controlariam pessoas.
Atualmente em sua quarta versão, “The Sims” põe os jogadores para criar avatares, construir um lugar para eles morarem e basicamente dizer o que eles devem fazer. Casar, ter filhos e morrer podem fazer parte do arco de vida de um sim –como são chamados os personagens do jogo–, assim como entrar para o mundo do crime, se tornar autor de best-sellers e ser abduzido por extraterrestres.

Imagem: The Sims/Electronic Arts (EA)

Foi permitindo que os jogadores brincassem de Deus, comandando tudo ao redor de seu avatar, que “The Sims” foi alçado à fama . Para incrementar a jogabilidade, pacotes de expansão foram criados ao longo dessas duas décadas, com novos itens, cenários, ferramentas e interações.
“Desde as primeiras versões, ‘The Sims’ dá um senso de liberdade muito grande aos jogadores”, diz o professor da ESPM e pesquisador de games Vicente Martin. “É complicado falar de liberdade em games, porque uma das coisas que os definem são suas missões. Mas aí chega ‘The Sims’ e dá total autonomia aos usuários.”
Segundo o pesquisador, a liberdade foi um dos três fatores essenciais para que a franquia caísse no gosto de milhões de pessoas. Os outros são sua estética –”uma linguagem visual que chama bastante atenção”– e sua habilidade em dialogar com diferentes públicos. Afinal, tudo em “The Sims” se adequa aos caprichos do jogador, que pode até trapacear com códigos para obter imortalidade ou dinheiro.
E nesse esforço de agradar ao maior número de pessoas, “The Sims” foi pioneiro entre os games na ala da diversidade.

Imagem: The Sims/Electronic Arts (EA)

Hoje, é possível escolher o sexo biológico de seu avatar e, independente dessa característica, decidir o seu tom de voz, o tipo de corpo, se usará roupas femininas ou masculinas, se vai urinar em pé ou sentado e se poderá engravidar. Tudo isso aliado à falta de tabus ou convenções sobre com quem o sim se relaciona amorosa e sexualmente –isso desde 2000.
“O que a EA faz com ‘The Sims’ é entender o momento em que a gente vive”, afirma Martin. “Eu acho muito legal esse esforço de trazer discussões para o jogo, incentivando o debate em torno da diversidade. Isso é muito rico.”
Mas o caminho da franquia quase foi outro. Em entrevista publicada pela revista americana The New Yorker em 2014, um dos desenvolvedores originais do game, Patrick Barrett, disse que houve intenso debate para decidir se relações homossexuais seriam permitidas no primeiro título da série.
“Na época, não era considerado ‘normal’ ser gay ou lésbica”, disse à publicação. “Mas em ‘The Sims’ era normal e seguro ser homossexual. Era a primeira vez que nós podíamos jogar um game e sermos livres para nos vermos representados nele.”
Com isso, o sucesso de “The Sims” entre o público LGBT foi estrondoso, mostrando o peso que essa parcela da população teria na indústria de games. Sucesso esse que agora se repete com o seriado nacional “Girls in the House”, que se passa dentro do jogo.
Criada por Raony Phillips, a trama acompanha um grupo de personagens femininas e tem ares de reality show, cheio de bizarrices e intrigas, no melhor estilo “Keeping Up with the Kardashians”. O canal do YouTube no qual é exibido tem 2 milhões de inscritos.
“‘The Sims’ é um jogo que evolui junto com as gerações, então possibilita que você crie a pessoa que você quiser, tenha relações com quem quiser”, diz o youtuber sobre a popularidade do game e, consequentemente, de sua série.
Phillips sempre quis ser criador de conteúdo. Ao entrar em contato com “The Sims”, descobriu também os vídeos que milhares de jogadores faziam de seus avatares. Percebeu que faltava comédia nesse universo paralelo ao game e viu aí uma boa oportunidade para lançar uma websérie.
Hoje, o youtuber é frequentemente convidado para eventos da indústria, tem esquetes de humor que foram exibidos na TNT e desenvolve um novo seriado em parceria com a EA, que deve estrear junto com as comemorações do aniversário de 20 anos da franquia.
“Girls in the House” mostra como “The Sims” vai muito além do simples ato de jogar. A franquia não só inspirou diversas webséries, como também viu muitos de seus fãs mais aficionados ganharem fama (e até dinheiro) ao criar conteúdo modificado, os mods.
Eles incluem imóveis, roupas e objetos extras para o simulador, além de ferramentas que alteram completamente a forma de jogar. A mais conhecida elimina o borrão que aparece sobre os órgãos sexuais dos personagens e pode ser combinada a pacotes com posições sexuais para os sims, que normalmente fazem o que o jogo chama de “oba-oba” debaixo das cobertas.
“Tornou-se algo tão gigante que hoje tem gente lá para jogar, competir, criar e também tem gente que fica entrando no game para fazer maluquices”, afirma Martin.
Aliada à já sólida popularidade de “SimCity”, “The Sims” viu nascer, graças ao seu impacto cultural, uma nova era para os games de simulação, influenciando títulos como “Second Life”, “Zoo Tycoon” e “Animal Crossing”. No meio do caminho, ganhou o apoio de gente famosa, como Katy Perry, Lily Allen e os americanos do My Chemical Romance, que regravaram seus hits em simlish, idioma oficial dos sims.
O game pôs nas mãos dos jogadores os rumos de sua trama e fez com que uma enxurrada de simuladores da vida, simples como ela é, inundassem a internet. E não ficou restrito aos écrans –”The Sims” expandiu sua glória para os videogames e smartphones.
Com currículo tão vasto, a franquia tem hoje uma das bases de fãs mais entusiasmados do mundo gamer. Muitos deles, atualmente, questionam quando a quinta versão do título será lançada, já que o jogo-base atual, “The Sims 4”, foi publicado há distantes seis anos.
Sem informações oficiais sobre os próximos passos da franquia, os fãs são obrigados a aguardar, já que, no mundo real, diferente do de “The Sims”, não existe um relogiozinho que faz as horas passarem mais depressa.

EXPANSÕES MARCANTES

The Sims: Num Passe de Mágica
Permitia que os jogadores lançassem feitiços e introduziu Ossilda, um esqueleto que limpa a casa e mora num caixão

The Sims: Encontro Marcado
Foi com ele que os sims passaram a frequentar lotes comunitários, não só casas

The Sims 2: Pets
Desenvolveu o conceito de ‘The Sims: O Bicho Vai Pegar’ e permitiu aos jogadores criar gatos e cães

The Sims 2: Quatro Estações
Chuva, neve e outros fatores climáticos passaram a influenciar a vida dos sims

The Sims 2: Vida de Universitário
Sims passaram a ir à faculdade e ganharam a companhia da planta-vaca, uma planta carnívora

The Sims 3: Sobrenatural
Retomou ‘Num Passe de Mágica’ com lobisomens, vampiros, bruxos e fadas

The Sims 3: Volta ao Mundo
Os sims podiam viajar para destinos inspirados na França, na China e no Egito

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