NATÁLIA CANCIAN
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um parecer científico da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria) desaconselha o uso de cloroquina e hidroxicloroquina em crianças e adolescentes com diagnóstico de Covid-19.

O documento, a que a reportagem teve acesso e que deve ser divulgado nesta sexta-feira (29), alerta que não há dados que amparem a segurança e a eficácia do uso desses medicamentos em crianças tanto com casos leves, moderados ou graves.

Em seguida, sugere que o uso desses remédios ocorra apenas dentro de estudos clínicos controlados, em meio a protocolos de pesquisa bem estabelecidos, e com autorização de pais e responsáveis.

O motivo é a falta de evidências científicas e o resultado de novos estudos que apontam riscos do uso indiscriminado desses medicamentos, indicados originalmente para malária, artrite e lúpus.

O material foi elaborado pelo Departamento Científico de Infectologia da sociedade, que reúne pediatras de todo o país.

A divulgação ocorre dias após o Ministério da Saúde elaborar um protocolo que amplia o uso de cloroquina e hidroxicloroquina também para pacientes com quadro leve da Covid-19, incluindo crianças e adolescentes.

A mudança foi feita após determinação do presidente Jair Bolsonaro, após processo que levou à saída do ex-ministro Nelson Teich.

Embora crianças sejam um grupo considerado mais vulnerável, a única recomendação do documento federal é que seja priorizado o uso de hidroxicloroquina por causa da maior toxicidade da cloroquina.

Já a nota da SBP alerta para o risco de ambos os medicamentos.

“Após busca extensa na literatura disponível, não se observou estudos clínicos, randomizados e controlados com resultados consistentes e favoráveis à administração de cloroquina ou hidroxicloroquina, associados ou não a macrolídeos [como antibióticos], tanto para a população adulta como a pediátrica”, afirma a entidade.

Leia também:   Brasil integra rede da OMS para monitoramento de coronavírus

O parecer cita ainda que, embora estudos in vitro demonstrem efetividade da cloroquina na inibição da replicação viral, novos resultados dos primeiros estudos controlados não têm apontado benefícios, e parte tem sido interrompida em razão de problemas na segurança.

“Não só não foi demonstrada a possibilidade de isso funcionar como não se sabe as doses. O que se tem são estudos in vitro, mas não há nenhum estudo em seres humanos que demonstre que seja eficaz no tratamento da Covid”, afirma Clóvis Constantino, primeiro-vice-presidente da entidade.

Ele alerta sobre riscos do uso em crianças e adolescentes.

“Crianças e adolescentes, do ponto de vista do entendimento científico, são seres vulneráveis porque estão em crescimento e desenvolvimento. Quando vamos usar uma droga nova em criança, isso implica estudos mais cuidadosos. Não tendo observado nenhuma evidência científica de que isso funciona, pela vulnerabilidade maior da criança, tínhamos que fazer esse alerta”, diz.

Para ele, há hoje “muitas impressões” e poucos estudos ampliados, enquanto outros já alertam para riscos.

Um deles é um estudo publicado na revista científica The Lancet com dados de 96 mil pacientes internados em 671 hospitais, o qual não mostrou eficácia no uso das drogas após o diagnóstico de Covid-19.

Leia também:   Brasil integra rede da OMS para monitoramento de coronavírus

Também apontou que o uso de hidroxicloroquina e cloroquina estava ligado a maior risco de arritmia e de morte em comparação com pacientes que não usaram os medicamentos.

“Os problemas que ocorrem com adultos, se forem proporcionais, podem ser ampliados com as crianças. Não podemos nos omitir em relação a isso”, diz Constantino.

O resultado levou a OMS (Organização Mundial de Saúde) a suspender estudos para que fossem avaliados possíveis riscos à segurança. Em seguida, a entidade retirou a cloroquina da lista de substâncias em estudo.

Apesar da decisão da OMS, o ministério disse que irá manter as recomendações.

Além da recomendação para que pediatras não façam uso da cloroquina, a nota divulgada nesta sexta também faz uma revisão de estudos publicados sobre o perfil da epidemia em crianças e adolescentes.

Segundo a SBP, enquanto inicialmente dados da China apontavam que crianças seriam menos atingidas, a evolução da epidemia tem mostrado que crianças são tão propensas a se infectarem quanto os adultos, “embora apresentem menos sintomas ou risco de desenvolver doença grave”.

Ainda assim, essa situação também pode ocorrer, o que eleva a necessidade de cautela diante de tratamentos não comprovados.

“Quando não se enxerga claramente os benefícios, utilizar uma medicação que possa trazer eventos adversos fica muito frágil”, diz um dos relatores do documento da SBP que desaconselha o uso da cloroquina, Marco Aurélio Sáfadi.

Para ele, a possibilidade de uso da cloroquina e hidroxicloroquina em crianças necessitaria de estudos mais amplos.

Leia também:   Brasil integra rede da OMS para monitoramento de coronavírus

“É um grupo que têm em geral formas mais leves. Para isso, o número necessário de pacientes a ser tratado para identificar um benefício é muito maior. Sem fazer nada, a maioria já iria evoluir bem, e pode ser que o efeito colateral suplante o benefício”, diz.

Ele ressalta, porém, que a entidade pode mudar de posição a partir de novos estudos –até o momento, porém, há poucos deles envolvendo crianças.

A SBP lembra ainda que a importância das crianças na cadeia de transmissão do vírus ainda é incerta.

Dados recentes também apontam para a necessidade de estudos sobre uma possível síndrome inflamatória associada a Covid-19.

O alerta ocorreu no Reino Unido e tem sido observado em outros países, incluindo o Brasil, mas com poucos casos.

Em documento recente, a sociedade pede que pediatras mantenham alerta sobre quadros de uma síndrome inflamatória multissistêmica, marcada por sintomas como febre alta e persistente (entre 38°C e 40°C), erupções na pele, edema de mãos e pés, dor abdominal, vômitos e diarreia.

Segundo Sáfadi, a análise até o momento tem indicado para uma forma rara e espécie de complicação tardia da infecção –quando, muitas vezes, já não há presença do vírus, mas de anticorpos, o que demonstra que nem mesmo nestes casos o uso da cloroquina seria indicado.

“Vemos menos ainda a possibilidade de que o medicamento tenha impacto nesses quadros”, afirma.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here