EDUARDO CUCOLO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Praticamente sete em cada dez empregos no Brasil estão em setores com baixo conteúdo tecnológico, considerando o valor dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento feito por essas empresas. Essas mesmas ocupações têm salários 40% inferiores à média nacional.

Os dados são parte de estudo elaborado pelo economista Nelson Marconi, professor da Escola de Administração de Empresas da FGV (Fundação Getulio Vargas).

A classificação dos setores por nível de conteúdo tecnológico segue metodologia da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que considera a relação entre investimentos em P&D (pesquisa & desenvolvimento) e valor adicionado ao PIB (Produto Interno Bruto).

Os números de empregados em cada setor e os valores dos salários são das Contas Nacionais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia) para os anos 2010 a 2017.

Nesse período, os dados não tiveram variação relevante, o que mostra que a situação mudou pouco ao longo da década passada.

Entre os setores com baixo conteúdo tecnológico estão agricultura, construção, transportes, alojamento, alimentação e serviços domésticos, pela classificação da OCDE. Eles representam 68% das ocupações.

Outros 10% estão em setores de média-baixa intensidade em pesquisa e desenvolvimento, com salário médio que já supera em 12% a média nacional, que era de R$ 28.740 por ano em 2017. Destacam-se nesse grupo telecomunicações e as indústrias extrativa, de bebidas e têxtil.

Os setores classificados como de média e média-alta intensidade representam, cada um, 2,5% das ocupações.

No primeiro caso, estão siderurgia, produtos de borracha, material plástico e minerais não metálicos, com salários 24% acima da média.

No segundo, com ganhos 166% acima da média, destacam-se fabricação de químicos, máquinas e equipamentos, veículos, além de desenvolvimento de sistemas e serviços de informação.

As ocupações de alta intensidade representam 0,2% do total, com salário médio que é mais que o triplo da média. Estão nesse grupo, por exemplo, fabricação de produtos farmoquímicos e farmacêuticos, aeronaves e de equipamentos de informática e eletrônicos.

Três setores ficam de fora da classificação da OCDE, por não serem negócios predominantemente privados: administração pública, saúde e educação. Eles representam 17% das ocupações no Brasil e também pagam acima da média nacional.

Marconi afirma que é natural que os setores de alta tecnologia empreguem menos e paguem salários maiores que os de baixa tecnologia, dado que esses últimos são mais intensivos em trabalho do que em equipamentos e máquinas, mas afirma que os dados do Brasil mostram um desequilíbrio muito grande.

“A gente nunca vai ter tanto emprego assim nos setores de alta tecnologia, mas a questão é que nesse miolo, principalmente de média e média-alta intensidade, teria de haver um número maior de ocupações”, afirma o economista.

Marconi ressalta que os números mostram que não houve mudança significativa na estrutura produtiva nesse período no sentido de gerar melhores empregos.

“Os setores de baixa tecnologia empregam muita gente, praticamente 70% da força de trabalho. Se você não consegue mudar essa composição, não está sendo tão bem-sucedido no seu processo de crescimento”, afirma.

A discrepância com outros países é confirmada por outro trabalho com base na classificação da OCDE sobre intensidade em P&D, do pesquisador Paulo César Morceiro, da Fipe e do Nereus, ambos ligados à FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração de Contabilidade da Universidade de São Paulo).

Focado na indústria manufatureira, ele mostra que as empresas brasileiras desse setor classificadas nos níveis mais elevados representam 22% das ocupações. Em países desenvolvidos, esse percentual varia de 33% a 50%.

“A gente tem um setor manufatureiro de alta e média-alta intensidade em P&D pequeno no Brasil, tanto na ótica do valor adicionado como do emprego”, afirma Morceiro.

Ele afirma que os bons empregos estão nesses setores de maior investimento em tecnologia e também em alguns considerados intensivos em conhecimento, que pagam salários elevados, mas têm investimento proporcionalmente menor em P&D. Entre eles, estão serviços prestados às empresas (como advogados, contadores e arquitetos), serviços financeiros, de telecomunicações e de educação e saúde.

Para o pesquisador Paulo César Morceiro, da Fipe e do Nereus, a melhora nas ocupações passa pela formalização do trabalho (que representa um diferencial de ganho importante em todos os países) e por uma agenda de retomada do crescimento econômico, que gere recursos para investimentos em inovação.

Além disso, é necessário concentrar a capacidade de investimento do país, que é limitada, em setores estratégicos, como os três que mais investem em P&D em termos absolutos no mundo: informática, farmacêutica e software.

“O Estado pode orientar a estrutura produtiva para esses setores mais tecnológicos e que geram mais empregos de mais qualidade”, afirma. “O que o mundo tem feito? Políticas para esses setores com crédito púbico, compras públicas, subvenções econômicas. Mas essas coisas só vão ter resultados mais efetivos se destravar a agenda do crescimento.”

De acordo com Nelson Marconi, da FGV, a geração de bons empregos é atualmente uma questão que está no centro dos debates sobre mercado de trabalho nos países desenvolvidos.

Os EUA e a Europa, por exemplo, perderam muitos empregos na faixa da média e da média-alta tecnologia, embora tenha elevado os empregos nos setores que estão no topo do ranking de maior conteúdo tecnológico.

“Aumentaram nos empregos que pagam mais, mas também os que pagam menos. Então esses países pioraram a distribuição da renda. O Brasil não piorou porque ela permaneceu ruim.”

Sobre os dados mais recentes, o pesquisador diz que muitas dessas ocupações da faixa mais baixa são também aquelas que mais sofreram durante a pandemia em termos de perda de emprego e em de redução de horas.

Marconi afirma que, em muitos casos, há uma ligação entre a falta de uso de tecnologia e a necessidade de contato pessoal nessas atividades, que, por isso, ficam prejudicadas pelas restrições impostas pela pandemia.

“Muitas dessas atividades requerem contato direto ou não se desenvolvem facilmente a distância em virtude da falta de tecnologia. Isso dificulta mais ainda durante a pandemia a manutenção do emprego por essas pessoas. Você tem um problema de capacitação que é urgente, um problema de formação das pessoas e de mudança na composição dos setores.”

Em evento realizado na no dia 6, o secretário-geral da OCDE, Angel Gurría, afirmou que a pandemia acelerou a digitalização da economia, mas que somente 55% da força de trabalho mundial tem capacidade de trabalhar com boa competência em um ambiente tecnológico.

Isso torna, diz ele, a recuperação dos postos de trabalho perdidos na atual crise muito mais difícil do que foi na recessão de 2008/2009.

“O problema é muito mais sério, muito mais social, mais político [do que em 2008]. É muito mais difícil a reinserção. Temos de ter uma política muito agressiva de requalificação. Não é somente educação, mas de muita educação e coordenação, com sindicatos, empresas e também governo, para dividir o custo”, afirmou Gurría.

Segundo o secretário-geral, não se trata de transformar todos os trabalhadores em “experts digitais”, mas em se adaptar a um mundo em que a produtividade e todas as habilidades e competência exigirão algum tipo de conhecimento digital.

Os países em que estão a maioria dos trabalhadores são os mais atrasados em relação a habilidades digitais e acesso à internet. Por isso, terão de investir nesse tipo de conhecimento e precisarão da ajuda dos países avançados não apenas para construir escolas mas para preparar esses estabelecimentos para a formação desse novo tipo de profissional.

Foto: Pixabay

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