segunda-feira, dezembro 9, 2024
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Secretário admite cobrança para entrar em 4 parques após concessão

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Sob forte clima de protesto, com cartazes, vaias e gritos de guerra contrários, moradores, movimentos sociais e especialistas lotaram um auditório e ocuparam parte de outro, na Assembleia Legislativa, ontem (30), para dizer não à concessão dos parques estaduais Cachoeira da Fumaça (Alegre); Forno Grande e Mata das Flores (ambos em Castelo); Itaúnas (Conceição da Barra); Paulo César Vinha (Guarapari); e Pedra Azul (Domingos Martins).

Por mais de cinco horas – numa das maiores audiências públicas realizadas pela Casa -, a Comissão de Proteção ao Meio Ambiente, presidida pelo deputado Fabrício Gandini (PSD), ouviu o secretário de Estado da pasta, Felipe Rigoni, que, pela primeira vez, falou publicamente do Programa de Desenvolvimento Sustentável das Unidades de Conservação do Estado do Espírito Santo (Peduc), previsto no Decreto 5.409-R/2023, que estabelece a cobrança de entrada nos parques Cachoeira da Fumaça, Forno Grande, Mata das Flores e Pedra Azul, após a concessão à iniciativa privada.

Manifestantes portando cartazes contrários à concessão dos parques estaduais marcaram presença na audiência pública realizada pelo presidente da Comissão de Meio Ambiente, Fabrício Gandini (PSD), para ouvir o secretário da pasta, Felipe Rigoni. Foto: Lucas Costa/Assembleia Legislativa.

“Os parques Paulo César Vinha e Itaúnas não terão nenhuma cobrança, já os outros quatro darão gratuidade apenas para moradores dos municípios onde ficam as unidades e para pessoas no CadÚnico”, explicou Rigoni, constantemente interrompido por vaias dos manifestantes, que chegaram ao Legislativo num ônibus fretado.

O secretário explicou que cada parque terá o seu modelo de exploração, numa concessão que deverá durar 35 anos. “Estamos terminando este estudo do que vai ter em cada parque, mas há unidade de conservação que terá teleférico e tirolesa. A maioria terá algum tipo de restaurante e lanchonete”, contou.

Ele explicou que a empresa terá de cumprir contrapartidas para exploração de cada parque, ficando responsável por todo o sistema de vigilância, de prevenção e controle de incêndios, o tratamento de resíduos e efluentes, o que hoje não é feito de uma forma eficaz.

“Além disso, os concessionários darão um pedaço da receita para um fundo que o Iema vai decidir a sua destinação. Temos estudos praticamente prontos de tudo que pode ser feito dentro de cada parque. E são áreas muito pequenas, 0,1% da área de todos os parques somados, é o que será feito de intervenções, o que vai garantir a exploração econômica e a conservação das unidades”, garantiu.

O secretário explicou que os estudos foram feitos pela Ernest Young, uma marca de credibilidade, e o modelo econômico-financeiro seria o ideal para a concessão dos parques. Além disso, afirmou que todo o estudo passará por revisão do Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Iema), também responsável pela revisão dos planos de manejo.

“Estamos fazendo a concessão da área de uso público. Ou seja, a gestão continua sendo do poder público, no caso do Iema. Mas a parte de uso público terá um ente privado, uma empresa que poderá fazer o investimento e usufruir economicamente disso. Queremos alinhar os esforços de preservação com o desenvolvimento econômico, para que o parque seja cada vez melhor, mais preservado e, ao mesmo tempo, dê uma experiência melhor ao turista e gere emprego e renda”, justificou.

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O titular da Seama defendeu a legalidade do Peduc, que segundo ele estaria autorizado pela Assembleia Legislativa, na Lei 10.094/2013. “Ainda existem etapas na Procuradoria Geral do Estado, na audiência pública que será feita, e no Tribunal de Contas, que finaliza a decisão da etapa da concessão”, disse o secretário, sem estimar o prazo de início do processo.

Para os moradores de Itaúnas, maior parte da plateia, o secretário garantiu que os barraqueiros não serão prejudicados e que haverá diálogo com a comunidade da vila.

“O concessionário vai ter de deixar os barraqueiros lá porque isso estará no contrato, mas ele vai reformar as barracas porque hoje as barracas estão ameaçadas de serem derrubadas. Existe um processo no Ministério Público e um TCA (Termo de Compromisso Ambiental) conhecido sobre isso e nós vamos resolver essa questão dos barraqueiros reformando as barracas, colocando-as em localização adequada (…). E de graça! Não vai ter nenhum tipo de cobrança para o barraqueiro”, anunciou.

O secretário Rigoni destacou, ainda, que o Parque de Itaúnas não está na área do sal-gema; defendeu que não existe risco sobre as espécies ameaçadas, “não só porque a quantidade de intervenções são muito pequenas em relação à área total do parque, mas também pela forma como está sendo programado”.

Ele ainda defendeu que não se pode chamar o processo de privatização. “Existe uma diferença muito grande. Se eu estivesse fazendo uma privatização simples e pura, eu venderia o parque e ponto, e o cara faria o que ele quisesse com o parque.  (…) Não é o caso aqui. O que nós estamos fazendo aqui é uma concessão. Estou dando direito a ele de fazer o aproveitamento econômico em uma dada área do parque, que não é área inteira, sobre uma quantidade imensa de investimentos. Regra que é estabelecida por um contrato e a gestão do parque continua com o Iema”, reforçou.

Representando a Federação das Indústrias do Espírito Santo (Findes), a especialista ambiental Graciele Zavarize Belisário defendeu a proposta de concessão. Para ela, a maioria das pessoas presentes, por ser contra a medida, não estava disposta a ouvir o secretário, mas a “fazer uma defesa político-partidária”. Ela foi hostilizada pela plateia.

CARTAZES

Apesar dos esforços, mais de 30 pessoas fizeram uso do microfone para questionar o secretário. Com cartazes com os dizeres: “Parque não é resort!”, “Natureza não é mercadoria!” e “Fora, Rigoni!”, não faltaram críticas à falta de transparência e ao fato das comunidades não terem sido ouvidas antes da formulação da proposta. Uma menina chegou a circular entre os representantes da mesa com um cartaz: “Rio Itaúnas sempre vivo” e “Restauração florestal no Norte do ES”.

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Quem abriu as falas foi o biólogo Walter Luiz Oliveira Có, representante do Movimento em Defesa das Unidades de Conservação do Espírito Santo, que questionou a sustentabilidade de empreendimentos como resorts, tirolesas e bondinhos nesses locais.

“Isso é um processo sustentável? A base da sustentabilidade é a não produção de impactos ambientais. Principalmente quando a atividade é na noite. Vamos pensar nos impactos, então. Qualquer hotel, pousada, que se ilumine à noite, dentro de uma unidade dessa, vai atrair todos os insetos e animais que são atraídos por luz. A gente tem uma briga danada, por exemplo, para que os barraqueiros não liguem lâmpadas à noite, porque essa luz vai interferir na dinâmica de todos os animais que existem dentro do parque”, elencou.

E emendou: “As unidades são os últimos refúgios. Não cabe a gente colocar uma pousada lá dentro, por fetiche de algumas pessoas de tomar banho numa banheira de ofurô, olhando a natureza pelo vidro lá fora (…) Que tipo de turista procura um parque? Quem quer ouvir música alta, som, tirolesa, barulho? Os parques são lugares que você pode visitar para vivenciar a natureza como ela é.”

Já o biólogo Hugo Silva Cavaca criticou a falta de participação social no debate e alertou o secretário que planos de manejo não poderiam ser modificados sem consulta pública, além de questionar a definição das áreas como degradadas.

“Plano de manejo, para você elaborar é obrigatória a participação social sim, exatamente obrigatório. De todo um absurdo que eu já ouvi aqui é dizer que essas estruturas previstas nos projetos conceituais do governo do Estado estão localizadas e situadas em áreas degradadas. Isso é mentira! (…) Porque não tem área degradada, não”, afirmou.

Cavaca também criticou o decreto e apontou, segundo ele, necessidade de melhor compreensão por parte da Seama dos tipos de unidades de conservação previstas na legislação federal.

Os representantes das comunidades tradicionais pediram mais atenção para quem carrega a experiência construída em Itaúnas por ancestrais, inclusive os que lutaram quando ainda existia a antiga vila, tomada pelas dunas. Para os representantes das comunidades tradicionais, são delas a garantia de um real empreendedorismo local.

Liderança quilombola em Conceição da Barra, Gessi Cassiano refletiu a história de luta das comunidades, exemplificando com a chegada da então Aracruz e o eucalipto na região na década de 1970. Para Gessi, se existe parque é porque em volta há comunidades.

“Quem preserva a natureza são as comunidades. E são as comunidades que não estão sendo respeitadas. Precisamos ter esse respeito dentro da nossa comunidade. Porque existe uma lei, né! Mas ela favorece a quem? (…) Porque para os quilombolas, os indígenas, os ribeirinhos, é que não é. São proibido em tudo!”, criticou.

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Conselheiros do Parque Paulo César Vinha e lideranças comunitárias defenderam que a resposta para a degradação naquela unidade não seria concessão, mas o fim da omissão em relação ao controle e a fiscalização sobre condutas degradantes, como a retirada ilegal de areia e o impacto humano nas áreas de desova de tartarugas. Moradores reclamaram da falta de servidores do Iema nos parques e ausência de infraestrutura para o trabalho do órgão.

As deputadas Iriny Lopes (PT) e Camila Valadão (Psol) fizeram eco às críticas. “Eu quero, desde já, fazer um registro que eu considero que a consulta e o debate deveriam ter precedido o processo de construção. (…) Primeiro que eu tenho um conceito, na minha análise, para essa discussão, é privatização, e não concessão”, frisou Camila.

Ela também criticou o apontamento político-partidário sugerido pela representante da Findes e estranhou o conhecimento mais amplo que a entidade teria do projeto. “Assusta que a defesa do governo seja feita aqui pela Findes”, alfinetou.

Já Iriny chamou a atenção para a falta de sustentação jurídica da proposta de Rigoni. Para ela, o decreto tem erro de origem. “Vocês literalmente passaram por cima do artigo 255 da Constituição Federal e passaram por cima da Lei 9.985/2000, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. Não pode apresentar um projeto para áreas que estão constitucionalmente aprovadas, apoiadas, sustentadas como áreas de preservação. Preservação é preservação, não tem meia preservação”, criticou.

A petista também declarou que a consultoria não teria expertise para questões ambientais. “Por que vocês contrataram uma consultoria que não é da área ambiental por R$ 8 milhões? Uma consultoria que não tem expertise em questões ambientais. Ela é uma consultoria para desenvolvimento de projetos com fins lucrativos, ponto. Custou R$ 8 milhões dos cofres públicos e eu quero saber exatamente de onde esses recursos foram tirados”, questionou a deputada.

A parlamentar lembrou que, no próximo dia 7, uma nova audiência será realizada pela Comissão de Meio Ambiente em Itaúnas. A prefeitura e o governo do Estado já foram convidados. Rigoni, por sua vez, disse que não poderá estar presente, por motivo de agenda, mas que voltará à comunidade para uma conversa, numa data ainda a ser marcada.

Gandini destacou a importância da audiência pública, que reuniu centenas de pessoas, dentre elas: moradores, representantes das comunidades tradicionais, autoridades municipais, pesquisadores, lideranças de movimentos sociais e sindicais, de forma republicana, ouvindo as partes.

“Essa proposta de concessão que mexeu com todo mundo serve para que todos se unam em torno de uma reflexão sobre os vários problemas que precisamos resolver nos nossos parques. Mesmo após um assassinato, a areia continua sendo retirada e áreas ainda são invadidas. Mesmo com todas as divergências, nós precisamos debater. Receber pela imprensa gera um desconforto. Todos precisam participar da construção”, declarou o presidente do colegiado, que já se manifestou contra a cobrança para entrada nos parques.

 

Foto do destaque: Lucas Costa/Assembleia Legislativa.

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