GABRIEL ALVES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois estudos publicados nesta quinta (31) mostram que a infecção por sarampo, além do prejuízo imediato e do risco de morte, provoca uma espécie de amnésia imunológica, que pode persistir por meses ou anos nas pessoas afetadas pelo vírus.
O problema da não vacinação contra o sarampo, dessa forma, vai além apenas do risco para essa doença, e pode abalar tanto a proteção individual quanto a coletiva, a chamada imunidade de rebanho, para outras doenças contagiosas como gripe e herpes.
Os trabalhos, publicados nas revistas científicas Science e Science Immunology, foram conduzidos por pesquisadores da Holanda, EUA, Reino Unido, Finlândia e Alemanha.
Já se sabia que o vírus do sarampo atacava células do sistema imunológico, como macrófagos, células B e células T, mas os cientistas ainda não entendiam exatamente até onde esse baque poderia levar.
Nos estudos, foram utilizadas amostras de sangue coletadas em 2013 de crianças e adolescentes de escolas protestantes ortodoxas na Holanda que não se vacinaram. Após a epidemia que afetou o país entre maio de daquele ano e março de 2014, que atingiu 2.700 pessoas, novas amostras foram coletadas entre os 77 jovens que ficaram doentes.
Com uma técnica batizada de VirScan, capaz de identificar dezenas de tipos virais com os quais o o organismo teve contato, ou seja, aferir quais tipos de anticorpos foram produzidos (isso a partir de uma pequena amostra de sangue), o repertório imunológico dos infectados por sarampo caiu entre 11% e 73%, de acordo com o trabalho da Science.
Em um experimento com furões que já haviam sido vacinados contra a gripe, doença causada pelo vírus influenza, o estudo da Science Immunology mostra que uma infecção pelo influenza posterior a uma por sarampo gera sintomas intensos, como se os animais simplesmente não tivessem sido vacinados.
Os cientistas do trabalho da Science também fizeram testes em macacos-resos (Macaca mulatta). Cinco meses após a infecção por sarampo, ainda havia prejuízo em 40% a 60% da memória imunológica contra patógenos.
Em outras palavras, quem pega sarampo corre sério risco de não conseguir de reagir rapidamente a diversos vírus e bactérias contra os quais já havia anticorpos no organismo. Reconstruir esse arsenal imunológico demora e é algo acontece após novos contato com agentes infecciosos – e um desses encontros pode ser fatal.
“Nós encontramos uma forte evidência de que o vírus do sarampo na verdade destrói o sistema imunológico, disse Stephen Elledge, pesquisador do Instituto Médico Howard Hughes e da Universidade Harvard e um dos autores do estudo da Science, em comunicado.
A vacina, a chamada tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola) é feita a partir de vírus vivos atenuados. A imunização, felizmente, não provoca prejuízo à imunidade como faz o patógeno selvagem. Ao contrário, calcula-se que entre 2010 e 2017, o uso da vacina tenha prevenido mais de 21 milhões de mortes.
Principalmente pela falta de imunização, cerca de 100 mil pessoas morrem anualmente no mundo por causa do sarampo. O Brasil tem sofrido com novos casos de sarampo. São quase 7.000 casos e 13 mortes só neste último surto, concentrados especialmente no estado de São Paulo, de acordo com o último balanço.
“Esses dois estudos reforçam muito a importância da vacinação e das campanhas, que são capazes de reduzir muito a mortalidade infantil, não só para o sarampo, mas também aquela devida aos efeitos maléficos da imunossupressão”, diz o virologista da USP Edison Luiz Durigon, que não participou dos estudos.
“O vírus é muito mais deletério do que nós imaginávamos, o que significa que a vacina é nessa mesma medida muito mais valiosa”, diz Elledge.

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