THIAGO AMÂNCIO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A primeira quarentena foi quando o governo chinês isolou a cidade de Wuhan, então epicentro da epidemia de coronavírus, para conter sua disseminação. A segunda foi na base aérea de Anápolis (GO), durante isolamento após repatriação da China. A terceira começa agora, com o aumento de casos no país.
Essa é a história de Vitor Neves e Mauro Hart, dois dos 34 brasileiros e seus familiares que viviam em Wuhan e foram trazidos pelo governo brasileiro quando o cerco ao coronavírus fechou a cidade chinesa.

Foto: Reprodução

“Estou no meu terceiro isolamento, agora voluntário. Fico em casa porque não tenho necessidade de ir às ruas. Espero que não chegue ao ponto de ser um isolamento obrigatório”, diz Hart, 59, piloto de uma companhia aérea chinesa que está de licença em Natal até poder voltar à China.
“Na terceira quarentena, já adquiri experiência. A questão é manter uma rotina e ficar tranquilo. Estou escrevendo minha dissertação, com uma carga de trabalho grande que me mantém ocupado”, conta Neves, 28, que de Belo Horizonte adianta o mestrado em linguística que deve finalizar neste semestre em Wuhan.
Eles chegaram ao Brasil em 9 de fevereiro –após longo processo de convencimento do governo Bolsonaro pela repatriação–, num voo com checagem periódica da temperatura dos passageiros, uso obrigatório de máscaras cirúrgicas, que deveriam ser trocadas a cada quatro horas, e uma tripulação coberta da cabeça aos pés com roupas de proteção.
Na base militar em Goiás, ficaram isolados junto com os tripulantes e a equipe médica que os trouxe da China por 14 dias, até que fosse comprovado que não tinham trazido o vírus ao Brasil.
O grupo saiu do isolamento em 23 de fevereiro, após testes confirmarem que não carregavam o novo coronavírus. Dois dias depois, o primeiro caso era confirmado em São Paulo, de um homem que viajou à Itália.
Até a última sexta (27), pouco mais de um mês depois, o país já soma 3.417 casos confirmados e 92 mortes.
“Quando cheguei, lavavam até o chão que eu pisava”, diz Hart. “O que me deixou bastante preocupado é que nos aeroportos não havia nenhuma medida consistente de verificação dos passageiros [de voos comerciais vindos de países com casos confirmados]”, diz ele.
“Eu acho que a gente foi tratado da maneira correta, como deveria ser. Mas o baixo controle, não só no Brasil mas também em outros países, permitiu que o vírus entrasse”, afirma o piloto.
Só na última semana a cidade de Wuhan começou a aliviar a quarentena, retomando o transporte público, depois de dois meses de políticas duras para conter o vírus.
Para os brasileiros, os chineses souberam lidar com as restrições. “Bastou um anúncio na TV e, no dia seguinte, todo mundo usava máscara. Para o asiático, isso é muito fácil, porque eles já são acostumados a usar máscara em caso de gripe, virose, tosse, espirro”, diz Hart.
“O chinês é bastante obediente a essas orientações. Quando falaram que tínhamos que ficar em casa, eles ficaram. Já o ocidental, não só o brasileiro, tem dificuldade de seguir isso à risca”, continua.
Por aqui, as pessoas ainda estão aprendendo a lidar com isso, afirma Neves. “A China teve medidas mais eficazes pelo fato de fecharem a cidade. O governo levou mais a sério. Aqui, muitas coisas pararam, mas ainda há movimento em estradas, transporte, as pessoas saem sem máscara. Ainda está oscilando.”
O estudante deixa um recado para os que aqui estão passando pela primeira vez pela experiência: “É importante ter a consciência de ficar em casa, adotar as medidas de higiene básica. Eu sei que é difícil, é estressante, mas temos que ter autocontrole. Esse vírus passa de humano para humano, então o combate é quase exclusivamente responsabilidade nossa”, diz.
Para Hart, o Brasil tem a vantagem de já ter visto o estrago que o vírus fez na China, na Itália e na Espanha, e agir para evitar.
Por outro lado, o país não tem a robustez econômica da China, e é preciso também fazer um cálculo econômico. “Deve haver um equilíbrio. O receio que eu tive era o total desabastecimento na China, que poderia levar a uma convulsão social”, diz ele. “Graças a Deus não aconteceu.”
Ele diz que, para frear o avanço do vírus, esse choque pode ser necessário e momentâneo. “Mas, dependendo do tempo, aos poucos as atividades têm que ser retomadas, com cuidado, higiene e distanciamento.”

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here