Um dos principais temas de discussão na programação da Semana da Imunização deste ano, realizada pelo Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL), é a relevância do programa de imunização no Brasil, que já foi referência para diversos sistemas públicos de saúde ao redor do mundo e hoje se mostra em uma realidade bastante diferente, com números alarmantes de baixa cobertura vacinal.

Segundo a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), parceira institucional do LAL, os índices de cobertura das vacinas do calendário de rotina do Programa Nacional de Imunizações (PNI) registram uma queda gradual desde 2013, que foi intensificada a partir de 2015. Mas, quais são as principais causas dessa redução e o que deve ser feito por instituições de saúde, pelo poder público e pela sociedade civil para reverter esse cenário?

“Precisamos recuperar o protagonismo da vacinação. Afinal de contas, éramos conhecidos como o país do carnaval, do futebol e das vacinas. Mas, estamos perdendo esses títulos” – ressalta Renato Kfouri, diretor da SBIm e membro do Comitê Científico do Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL).

Para o especialista, a falta de interesse gerada pela disseminação das fake news, a desinformação sobre as vacinas fundamentais que fazem parte dos calendários de imunização e o acesso restrito às vacinas são as principais causas da baixa cobertura vacinal no país. O médico acredita que é preciso trabalhar em várias frentes para recuperar o sucesso do Programa Nacional de Imunização.

“O antivacinismo se fortaleceu com a Covid-19 e tem impactado nas outras vacinas. Precisamos conhecer melhor as causas para enfrentar regionalmente o problema, com as ações e imunizações mais adequadas. Certamente, a queda de imunização em grandes centros como São Paulo e Rio de Janeiro acontece de forma completamente diferente do que vemos em cidades do Norte ou no interior do Nordeste e do Planalto Central, por exemplo”, afirma.

Outro grande desafio para recuperar os índices de cobertura vacinal está no próprio sucesso das vacinas. Segundo o médico, com a percepção de queda do risco de algumas doenças praticamente inexistentes, muitas pessoas passaram a se questionar sobre a real importância de tomar vacinas de doenças desconhecidas pela maioria da população.

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Para Kfouri, essa situação é grave porque traz desinformação. “Muitos pensam: por que devo me vacinar de doenças que não existem mais? Com a eliminação de doenças, as vacinas acabam sendo vítimas de si mesmas e as pessoas voltam a ficar com medo das vacinas. Será que eu preciso? Ela dá febre, dor ou incômodo? É aí que mora o perigo”, destaca o médico.

 

Sinal de alerta para a realidade brasileira

 

São Paulo – Dados do PNI mostram que cerca de metade das principais vacinas do calendário infantil não bate as metas desde 2015, incluindo a vacina contra o sarampo, doença antes erradicada e que hoje possui apenas 15% de cobertura vacinal no País. Desde 2019, nenhuma vacina do calendário infantil bate a meta de cobertura. Segundo Renato Kfouri, a queda é homogênea no geral, mas as doenças que aparecem primeiro são as mais facilmente transmitidas ou as que não são controladas em outros países, como é o caso do sarampo.

“Hoje, seria impensável perder uma criança ou adulto para o sarampo, mas a doença não poupa indivíduos suscetíveis sem vacina e se alastra por onde chega. Tivemos 40 mil casos registrados em 4 anos, com aquela famosa estatística de 1 morte para cada 1.000 casos. Ou seja, de 2018 para cá, tivemos 42 óbitos por sarampo, infelizmente. Essa doença é o exemplo clássico porque está presente em muitos países por conta da altíssima transmissibilidade.”

A situação da poliomielite também é preocupante, segundo o PNI. O baixo índice de vacinação atual (67%) traz sérios riscos da reinserção da doença no Brasil.

“Toda a mobilização das antigas campanhas para o ‘Dia de Vacinação contra a Poliomielite’ é um ótimo exemplo de ação para fortalecer a imunização. Lembro que era dia de festa, de cobertura dos telejornais e do Zé Gotinha como personagem no imaginário das pessoas. A comunicação empática envolvia a todos, coisa que a gente não vê hoje em dia. Precisamos retomar isso, com o envolvimento de estruturas organizadas e a participação de antropólogos, sociólogos e comunicólogos, para convencer aqueles que não se sentem ameaçados. Nós desaprendemos a lidar com as informações nesse mundo moderno e digital, precisamos ser enfáticos e emotivos para voltar a motivar as pessoas sobre a vacinação”, reforça Kfouri.

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Outro mito sobre a vacinação está relacionado aos adultos, que esquecem das doses de reforço das vacinas tomadas na infância e não se informam sobre novas vacinas, muitas delas inseridas no Programa Nacional de Imunização e disponibilizadas gratuitamente nos postos de saúde. Renato Kfouri chama a atenção para essa situação e afirma que “durante a vida, todos os adultos devem tomar as 3 doses de Hepatite B, além de uma dose de febre amarela e duas da Tríplice Viral. As vacinas da difteria e do tétano também são básicas, mas isso não impede um adulto tomar a de HPV (papilomavírus humano), por exemplo. Sem falar na gripe e na Covid, sem nenhuma restrição.”

 

Atitude positiva e proteção coletiva

 

São Paulo – Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a vacinação é responsável pela redução de 2 milhões de mortes por ano no mundo e a queda vertiginosa dos índices de imunização no Brasil foi um dos temas do Fórum Brasil Imune, promovido pelo LAL nos dias 8 e 9 de junho.

Na abertura do fórum, a médica infectologista e especialista em saúde pública Luana Araújo apresentou importantes dados sobre a eficiência da vacinação no mundo e destacou que a expectativa de vida do brasileiro chegou aos 80 anos, devido ao controle de diversas doenças.

“Até muito pouco tempo atrás, nossa expectativa de vida era em torno de 30, 40 anos. Isso acontecia porque as pessoas morriam de doenças que, atualmente, são consideradas imunopreveníveis, como o sarampo e tuberculose. Hoje, o grande problema é a falsa sensação de segurança ocasionada pelo sucesso das vacinas. Como as pessoas não veem mais algumas doenças, não percebem a importância de continuar mantendo essa proteção” – afirma Luana Araújo.

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Ela ainda reforçou que esse comportamento levou à recrudescência de patologias que não deveriam mais existir. “Dados da OMS mostram que o sarampo, por exemplo, voltou aos índices de 20 anos atrás, com mais de 159 mil casos por ano, em todo o mundo. As pessoas percebem o sarampo como uma doença leve, mas não é, pode ser fatal para crianças ou ainda causar problemas graves, quando o indivíduo chega à fase adulta. Cerca de 30, 40 anos depois da infecção, a pessoa pode desenvolver leucoencefalopatia multifocal progressiva, uma doença neurológica incontrolável e irreversível, que leva o paciente à morte em seis meses. É raro, mas quanto mais casos de sarampo nós tivermos, maiores as chances desse tipo de problema acontecer. E a forma mais eficaz de proteção é a vacina”

Presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, Marlene Oliveira ressalta que, para retomar a cobertura vacinal no Brasil, são necessárias ações por parte de todos os atores envolvidos, incluindo a sociedade civil.

“A pandemia trouxe muito sofrimento, mas também nos deixou uma experiência positiva, que foi a mobilização de grande parte da população para se vacinar. A ameaça do vírus, que causou dor, sofrimento, hospitalizações e sequelas graves, mostrou que as vacinas são essenciais para a saúde de todos. Precisamos levar esse legado para as demais doenças, como o sarampo, a pólio e até para os diversos tipos de tumores que são evitáveis com a vacina HPV, especialmente o câncer de colo do útero”.

 

Foto do destaque: Divulgação

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