DHIEGO MAIA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Violeta, anil, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho. Essas cores sempre pintaram o asfalto da avenida Paulista e os corpos de quem frequentou as 23 edições da Parada do Orgulho LGBTI de São Paulo.
Mas na edição atípica do evento deste ano, que acontecerá de forma 100% online neste domingo (14), as sete cores do arco-íris, símbolo do movimento LGBTI, serão vistas no seu lugar de origem: o céu.
A pandemia do novo coronavírus barrou pela primeira vez a aglomeração de milhares de pessoas na parada paulistana, considerada a maior do gênero no planeta.
Mas a arte impediu que a doença provocada pelo vírus, cujo Brasil ocupa a segunda posição no número de mortes por Covid-19 em todo o mundo, apagasse o colorido tão característico da celebração.
Os raios multicoloridos são obra da artista porto-riquenha Yvette Mattern. Ela batizou as suas luzes a laser de “Global Rainbow” que, em tradução livre, significa “Arco-Íris Global”.
O nome faz sentido. Mattern já rasgou com suas cores o céu de metrópoles como Cidade do México, Londres, Nova York, Toronto e Berlim. Na América do Sul, a instalação já deu as caras em Córdoba, na Argentina.
O arco-íris de Mattern estreia no Brasil em um momento simbólico tanto para a artista como para o país, que enfrenta uma crise institucional aprofundada pela pandemia.
Em entrevista à reportagem, Mattern, que fixou moradia entre Nova York e Berlim, diz que os seus jatos de luzes transcendem o ódio. “Eles se concentram na escuridão e celebram o que é belo no mundo, e isso inclui a força e o amor dentro da comunidade LGBTI”, diz.
O Brasil figura como um dos países mais violentos no mundo para um LGBTI viver. Levantamento da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) mostra que nem mesmo a pandemia fez cair o número de assassinatos contra a população T, a mais vulnerabilizada.
Entre janeiro e abril, a entidade contou 64 assassinatos de travestis e pessoas trans, uma alta de 49% em relação ao mesmo período do ano passado.
O país também é governado por Jair Bolsonaro (sem partido), conhecido pelas várias declarações consideradas homofóbicas dadas ao longo de sua vida pública. Em uma delas, já como presidente, chegou a dizer que não queria que o Brasil fosse conhecido como um destino gay.
Nesse cenário, Mattern entende que seu arco-íris chega sobre o horizonte paulistano “no momento pertinente e mais simbólico”.
O “Global Rainbow” foi projetado pela primeira vez no céu de Nova York, em 2009, numa ocasião também importante para os norte-americanos: o Dia de Martin Luther King Jr. (1929-1968), comemorado em 18 de janeiro.
O líder pacifista assassinado inspirou lutas pelos direitos civis e teve seu nome revisitado nos recentes protestos pela igualdade racial que sacodem os Estados Unidos. “O ‘Global Rainbow’ tem sido um forte símbolo de esperança, diversidade e unidade desde sua estreia e continua sendo até hoje. Conseguir mostrá-lo no Brasil é um presente que me deixou muito feliz”, afirma a artista.
Os feixes de luzes são potentes. Eles serão projetados, a partir das 19h, no topo de um prédio na rua do Paraíso, que é virado em direção à rua da Consolação. Permanecerão iluminando o céu da região da Paulista até as 22h.
O arco-íris a laser, segundo Mattern, poderá ser visto num raio de 60 km de distância. As luzes ficarão acesas por 15 minutos ininterruptos e serão apagadas de forma intercalada a cada 5 minutos. Mattern explica que a projeção é feita de uma maneira que não prejudica o espaço aéreo.
É com uma frase retirada de um discurso célebre de Martin Luther King Jr. que a artista diz querer que os seus raios coloridos sejam lembrados em São Paulo. “Escuridão não pode expulsar a escuridão; somente a luz pode fazer isso. O ódio não pode expulsar o ódio; somente o amor pode fazer isso”.
A projeção tem apoio da secretaria de Cultura da gestão Covas (PSDB) e patrocínio da PepsiCo.
PARADA LGBTI ONLINE
A parada LGBT 100% online terá oito horas de duração.
Sob o tema “Sejamos o pesadelo dos que querem roubar a nossa Democracia”, o evento reunirá, a partir das 14h deste domingo, apresentações musicais de nomes como Daniela Mercury e Gloria Groove, além de depoimentos de Pabllo Vittar, Ivete Sangalo, Katy Perry e Mel C.
Com apresentação de Fih e Edu, do Diva Depressão, e participações de Lorelay Fox, Spartakus Santiago e muitos outros influenciadores, o evento será transmitido por 11 canais do YouTube, além do GNT.
Desafios e conquistas dos LGBTIs
A partir dos anos 1950
Surgem as divas trans que se tornam grandes estrelas no Brasil e na Europa, como Rogéria, Jane di Castro, Eloína e Fujika, entre outras.
1969
LGBTs de Nova York colocam fim às agressões que sofriam em batidas policiais realizadas num bar da cidade, o Stonewall Inn. O grupo resistiu por três dias em 1969, numa época em que se relacionar com pessoas do mesmo sexo era ilegal em todos os estados americanos.
O movimento estimulou uma marcha sem volta de LGBTs por mais igualdade de direitos em várias partes do mundo e ficou conhecido como a revolta de Stonewall
1978
Início do movimento pelos direitos LGBT no Brasil. É fundado, no Rio de Janeiro, o jornal Lampião na Esquina, voltado para as questões da comunidade. Em São Paulo, surge o Somos
1982
Ocorre a famosa passeata contra o delegado José Wilson Richetti, que realizava batidas policiais no centro de São Paulo contra travestis, gays e prostitutas sobre o pretexto de moralização social
1983
Em 19 de agosto de 1983, um protesto realizado por lésbicas e apoiado por grupos feministas pôs fim às discriminações sofridas no Ferro’s Bar, centro de SP. O ato ficou conhecido como o “Stonewall brasileiro”
Anos 1980 e 1990
Anos de pânico: o HIV chega ao Brasil e faz estrago conhecido como “peste gay”. Na Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo é organizado o primeiro núcleo de luta anti-Aids. Morrem Darcy Penteado, Caio Fernando Abreu e Cazuza por complicações da doença
1985
O Conselho Federal de Medicina retira a homossexualidade de sua lista de doenças
1990
OMS (Organização Mundial da Saúde) retira a homossexualidade de sua lista de transtornos mentais
1992
No Piauí, Kátia Tapeti é eleita a primeira vereadora trans na história da política brasileira
1995
As primeiras Paradas do Orgulho LGBT são realizadas em Curitiba e no Rio
1997
A cidade de São Paulo sedia sua primeira Parada LGBT. Em 2006, a passeata paulistana entra para o Guinness Book como o maior evento do gênero
2001
O governo de São Paulo promulga a lei 10.948 que penaliza práticas discriminatórias em razão da orientação sexual e identidade de gênero
2002
O processo de redesignação sexual, a chamada cirurgia de “mudança de sexo” do fenótipo masculino para o feminino é autorizada pelo Conselho Federal de Medicina. Em 2008, passa a ser oferecida pelo SUS (Sistema Único de Saúde)
2011
STF (Supremo Tribunal Federal) reconhece a união homoafetiva, um marco na luta pelos direitos LGBT
2018
STF decide que transexuais e transgêneros podem mudar seus nomes de registro civil sem necessidade de cirurgia
2019
STF enquadra a homofobia e a transfobia na lei de crimes de racismo até que o Congresso crie legislação própria sobre o tema
2020
STF declara inconstitucionais as normas que proíbem gays de doar sangue

Fonte: Livro Devassos no Paraíso – João Silvério Trevisan. Editora OBJETIVA

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