ALEX SABINO

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No ranking da Fifa, a Nicarágua ocupa o 151º lugar entre 210 países. A nação da América Central jamais foi para uma Copa do Mundo e o futebol nem sequer é o esporte mais popular, posição ocupada pelo beisebol.

Neste ano, pela primeira vez a liga do país chama a atenção internacional. Não pelos resultados em campo ou pela qualidade dos jogos.
O Campeonato Nicaraguense é o único torneio profissional das Américas que não foi interrompido pela pandemia de coronavírus. Para este domingo (5) estão marcadas duas partidas. O ARP Jalapa recebe o Chinandega e o vice-líder Real Estelí visita o Walter Ferreti pela 14ª rodada.

O caos é tão grande no futebol nacional que os jogadores não sabem dizer se os confrontos terão público ou não.
A Federação que organiza o torneio divulgou comunicado há duas semanas para avisar que os jogos deveriam ser realizados com portões fechados por causa do vírus. Mas a determinação valia apenas para a 10ª rodada, que aconteceu entre 21 e 22 de março. Para as seguintes, os cartolas não disseram nada e cada time interpretou a recomendação como achou melhor.
Houve partidas com torcedores e outras sem.

“Eu e meus companheiros temos muita preocupação com o cenário atual. O que podemos fazer é a prevenção. Esperamos que as autoridades do país reavaliem melhor essa situação e quem sabe depois de um mês poderemos fazer o que gostamos: jogar futebol. No momento, não estamos tranquilos. Jogamos com muito medo”, disse o meia-atacante uruguaio Bernardo Laureiro, 28, que atua pelo Diriangén FC.

A reportagem conversou com jornalistas, jogadores e dirigentes sobre a continuidade do futebol do país mesmo com o coronavírus. Os únicos que aceitaram terem os nomes divulgados foram estrangeiros.
Os nicaraguenses afirmam ter receio de punições porque seguir com o esporte e tentar fazer com que a vida no país pareça normal é política do governo da Nicarágua.
Times de outras modalidades, como o beisebol, fizeram pedidos para que as competições fossem interrompidas. As solicitações foram negadas. Jogadores que se rebelaram receberam suspensões.

A Nicarágua é governada desde 2006 por Daniel Ortega, 74. Ele se elegeu como presidente pela primeira vez em 1985 (antes governou com o que foi chamado de Junta de Reconstrução Nacional, entre 1979 e 1985). Saiu do cargo em 1990, mas voltou em 2007. Obteve reeleições em 2011 e 2016.

O país vive crise política e social. Apesar das pressões da oposição, o governo se nega a antecipar eleições ou investigar supostos crimes cometidos pelas forças de seguranças comandadas pelo socialista Ortega, um ex-revolucionário que ajudou a acabar com o regime do ditador Anastasio Somoza no final da década de 1970.

Nem os Estados Unidos conseguiram derrubar Ortega. Em 1986 foi revelado o caso que ficou conhecido como Irã-Contras. Agentes da CIA (agência de inteligência americana) facilitaram o tráfico de armas para o Irã, que vivia sob embargo internacional. O dinheiro foi usado para financiar guerrilhas que queriam depor o presidente recém-eleito.
Ortega controla o Exército, toda a estrutura burocrática do país, o Judiciário e o Tribunal Eleitoral.

Segundo dirigentes e jornalistas ouvidos pela reportagem, o governo também tem representantes na Federação Nicaraguense de Futebol e em outras entidades esportivas.
Além da crise política, há a econômica. Os dados referentes a 2019 ainda não foram divulgados, mas em 2018 o PIB (Produto Interno Bruto) do país encolheu 3,8%.

Manter o futebol (e outros esportes) no país representa a imagem de que a vida está normal e que a população deve continuar trabalhando todos os dias. Uma paralisação geral poderia piorar ainda mais a situação da economia. Um diretor de clube afirmou que a liga nacional se torna, assim, um jogo na mão de Ortega e seus aliados.

Apesar da tentativa de manter a aparência de normalidade, o presidente trocou a ministra da saúde na última semana por causa do combate ao coronavírus.
Escolhida para o cargo, a médica epidemiologista Martha Reyes Alvarez disse não acreditar que a população precise de medidas de isolamento para evitar a infecção pela doença Covid-19.
Os números oficiais do governo são de apenas cinco casos de infectados no país e uma pessoa morta.

“O medo está presente e a incerteza também. Como vai ficar? Não sabemos. Temos a possibilidade de contar com o clube que nos fornece o material de higiene para as mãos. Futebol é esporte de contato. Não há como ficar distante dos outros atletas. Temos muita preocupação”, diz o atacante costarriquenho Sebástian Barquero, 21, companheiro de Laureiro no Diriangén, maior campeão da história do país, com 27 títulos.

Nos dois últimos jogos como mandante, a equipe atuou sem a presença de torcedores.
Barquero foi alvo de uma disputa nas últimas duas semanas. Ele tem vínculo com o Saprissa, clube mais importante da Costa Rica. Com medo do coronavírus (e a pedido do jogador), a agremiação solicitou o final do empréstimo ao Diriangén e o retorno dele ao país natal. O pedido foi negado e o atleta teve de ficar.

A média salarial na liga da Nicarágua gira em torno de US$ 1.700 (cerca de R$ 8.500). Contratações estrangeiras podem ganhar mais, mas dificilmente o valor supera os US$ 2.500 (R$ 12.500).
O último momento recente em que o futebol nacional foi notado aconteceu em junho de 2019, quando a seleção fez amistoso com a Argentina que se preparava para a Copa América no Brasil. Os jogadores fizeram fila antes do jogo para tirarem fotos com Lionel Messi. Os argentinos venceram por 5 a 1.

“É uma pena que a Nicarágua apareça neste contexto [da continuidade apesar da pandemia] porque o futebol do campeonato tem bom nível. Há cinco equipes que podem enfrentar qualquer outra da América Central. Há bons jogadores aqui”, completa Laureiro.
A reportagem tentou entrar em contato com Manuel Salvador Quintanilla Martínez, presidente da Federação da Nicarágua de Futebol, mas ele não respondeu às mensagens enviadas. No telefone da entidade obtida com a Concacaf (Confederação dos Países da América Central e Caribe) ninguém atendeu.

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