ALEX SABINO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 2017, a inglesa Erin Blankenship, então jogadora de futebol com passagens por times como West Ham e Crystal Palace, ligou de madrugada para a amiga Laura. As duas estavam frustradas com os destinos da modalidade e a falta de perspectiva no esporte.
Erin chegou à conclusão de que precisavam chamar a atenção de alguma forma sobre a desigualdade no esporte. “Por que não fazemos um jogo de futebol no topo do Kilimanjaro?”, sugeriu Laura. “O quê?”, devolveu Erin.
A ideia parecia uma insanidade. Como fazer uma partida de futebol a 5.714 metros de altura em um dos pontos mais altos do planeta? Apenas para chamar a atenção e entrar no Guinness Book, o livro dos recordes? Quanto mais elas debatiam a proposta, porém, mais atraente ela ficava.
Foi o momento em que nasceu a Equal Playing Game (campo de jogo igualitário, em inglês), ONG dedicada à igualdade de gênero no futebol. Por mais difícil que parecesse, Erin e Laura conseguiram reunir 32 jogadores e árbitras de 20 países para fazer uma partida próxima ao cume do Kilimanjaro.
“Levamos sete dias para chegar ao topo. Pensei que estava ficando doente porque me sentia cada vez pior, mas tinha na verdade uma reação alérgica aos tabletes contra a malária. Conseguimos fazer o jogo em uma cratera e foi um esforço gigantesco”, diz a auxiliar de arbitragem escocesa Vikki Allan, uma das que aceitaram embarcar na viagem.
Por segurança, balões de oxigênio foram colocados à beira do campo.
Com a ajuda de outras organizações, a Equal Playing Field passou a usar o marketing como arma, sempre em busca de recordes que chamem a atenção para o futebol feminino.
“Depois do Kilimanjaro, fizemos uma partida no ponto mais baixo da Terra, no limite da Jordânia com o Mar Morto”, afirma Erin à Folha de S.Paulo.
Com a ajuda logística do príncipe do país, 170 mulheres participaram de seguidos jogos em região a 432 metros abaixo do nível do mar.
Durante a Copa do Mundo de futebol feminino na França, neste ano, a ONG realizou a mais longa partida de futebol da história. Durou quatro dias.
“A Copa foi um evento que pode mudar a história do futebol, e esse debate sobre igualdade e o fato de que mulheres ainda podem ganhar 70% menos que os homens para fazer a mesma função. E não estou falando apenas de esporte. Quando a final terminou [com a vitória dos Estados Unidos], o estádio se levantou em um grito de euforia e o pedido de que igualdade”, completa Erin, uma das fundadoras da ONG.
Graças ao Mundial e a Megan Rapinoe, estrela da seleção americana, a Equal Playing Field surfa hoje em uma onda que tem crescido nos últimos meses.
A ONG trabalha com números de que 80% das garotas que praticam esportes na escola desistem no meio do caminho, em comparação a 30% dos meninos. Para Erin, a relação de forças no mercado de trabalho fica desigual a partir daí. Mesmo longe dos campos, quadras ou academias.
“O esporte dá confiança, ensina o trabalho em equipe, destaca as lideranças. Se os homens persistem mais, têm a tendência a ocupar melhores postos no mercado de trabalho. Se as mulheres insistirem e tiverem mais chances, essa questão fica mais equilibrada. É uma questão social. Nós realmente acreditamos nisso”, afirma.
Há planos para novos recordes, e a ideia é bater dois por ano. Ela não fala sobre o que pretende fazer. Quanto mais ideias são colocadas em prática, mais criativas elas precisam ser.
“A gente faz não só por nós, mas pelas outras. Cada vez que a subida do Kilimanjaro ficava difícil –e foi muito difícil– eu pensava em meninas da Arábia Saudita e de outros países em que são proibidas de jogar futebol”, disse Allan para a BBC Escócia.
A próxima missão será criar um evento durante a Eurocopa de 2020. Para completar os 60 anos do torneio, ele será realizado em várias sedes.

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