RAFAEL BALAGO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Perto de uma rua de casas noturnas, uma agência bancária emite várias transferências de dinheiro para uma pequena cidade num país distante.
Reunir dados sobre transferências bancárias como essas pode ajudar a desmontar redes de tráfico humano, pois as informações abrem caminho para identificar os locais de exploração de vítimas, os pontos de captação de pessoas e onde estão os criminosos que se beneficiam delas.
Uma plataforma lançada em novembro, chamada Traffic Analysis Hub, passou a juntar informações de diversas origens em um mesmo banco de dados, que serão compartilhados com órgãos como ONGs que combatem o tráfico humano, forças de segurança e pesquisadores.
“O uso de dados não reduz o trabalho de campo, mas o direciona. Em vez de investigar todas as casas noturnas da cidade, podemos direcionar as equipes para onde os dados indicam que há suspeitas mais claras”, explica Sebástian Sánchez, diretor da ONG Pasos Libres, com sede em Bogotá e parceira do projeto.
“Ele permitirá também a união de esforços entre entidades pequenas e empresas grandes, que antes ficavam dispersos.”
A plataforma pretende ter alcance global. Foi criada pela IBM e recebeu dados de instituições financeiras como Barclays, Santander e Western Union.
ONGs e pesquisadores estão sendo convidados aos poucos para colocarem seus dados e terem acesso ao material. Por enquanto, entidades brasileiras ainda não participam, mas deverão ser chamadas.
O Brasil é alvo de várias formas: é local de captação de vítimas para serem enviadas ao exterior ou para regiões mais ricas do próprio país e também rota para estrangeiros, que passam por aqui para tentar chegar a outro destino, como os EUA.
As redes de tráfico aliciam pessoas pobres com ofertas de empregos bem remunerados no exterior. Ao chegarem aos destinos, no entanto, os viajantes acabam forçados a trabalhar sob condições desumanas em lavouras, fábricas ou prostituição.
As viagens costumam ser arriscadas. Em outubro, 39 corpos de vietnamitas foram encontrados no compartimento de carga de uma carreta a caminho do Reino Unido.
Segundo estimativas de pesquisadores que participam do projeto, o tráfico de pessoas faz cerca de 40 milhões de vítimas por ano no mundo e movimenta dezenas de bilhões de dólares. Boa parte desse montante circula pelo sistema financeiro, oculto por esquemas de lavagem de dinheiro.
A grande quantidade de dados será analisada por meio de inteligência artificial, para buscar padrões de transações suspeitas e de locais, de modo a criar mapas com rotas e locais suspeitos.
Os dados ficam armazenados em servidores da IBM na nuvem e, segundo a empresa, não trazem informações pessoais de nenhum tipo.
Há temores, porém, de que o conhecimento gerado pela plataforma possa ser usado por governos e entidades para tentar barrar refugiados e imigrantes irregulares.
O sistema já permitiu encontrar relações entre um caso de recrutamento de pessoas na Romênia e propriedades agrícolas na Irlanda do Norte, o que indica uma rota do Leste Europeu rumo a plantações irlandesas, por exemplo.
O mapa mostra ainda quais entidades aportaram dados em cada região, abrindo espaço para ações conjuntas entre agentes de diferentes países.
Outra ideia é analisar imagens de câmeras de segurança de postos bancários por meio de um software capaz de reconhecer expressões como insegurança e medo, que podem indicar que uma pessoa foi ao banco depositar dinheiro sob pressão.
Detectar uma situação assim abre caminho para a realização de operações policiais ou distribuição de panfletos que expliquem como pessoas em risco podem pedir ajuda.
“Tem-se a imagem de que o tráfico de pessoas envolve apenas pessoas presas em locais fechados, mas não é só isso. Há outras formas de coação”, diz Claudia Romanelli, líder de Cidadania da IBM para a América Latina.
Além dos dados bancários, o sistema prevê a inclusão de dados de registro em hotéis, informações de empresas de telefonia e mensagens em redes sociais, atualmente muito usadas para atrair vítimas com falsas promessas de emprego.
“Poderemos analisar quais tipos de anúncios publicados têm a tendência de serem danosos, e fazer isso com base nas nuances de cada língua e cultura, para ser mais eficaz”, diz Romanelli.
Mesmo com a ajuda da tecnologia, a libertação das vítimas é um processo delicado.
“Na maioria dos casos, a pessoa não quer procurar o Estado, por medo de acabar deportada ou punida, nem gerar um inquérito que vai se arrastar por anos. Ela quer tirar isso logo da vida dela”, afirma Graziella Rocha, pesquisadora da Asbrad (Associação Brasileira de Defesa da Mulher, da Infância e da Juventude).
“E há um medo do que possa acontecer com a família. Os aliciadores sabem onde os parentes da pessoa moram. Se ocorrer ameaças, a polícia conseguirá protegê-los?”

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