NATÁLIA CANCIAN
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após passar por três fases, um estudo conduzido pela Ufpel (Universidade Federal de Pelotas) para estimar a disseminação da Covid-19 em diferentes cidades do país e analisar a evolução de casos da doença na população ainda não teve financiamento renovado pelo Ministério da Saúde, o que já leva a instituição a buscar alternativas para manter a pesquisa.

A renovação é discutida desde o fim de junho. Até agora, porém, não houve resposta.
Para o reitor da universidade e coordenador-geral do estudo, o epidemiologista Pedro Hallal, interromper a pesquisa seria um “mico histórico”.

“Junto com um estudo da Espanha [Ene-Covid], esse é um dos maiores estudos do mundo, e seria um mico histórico para o Brasil parar a pesquisa no meio da pandemia sendo o segundo país mais afetado”, afirma.

O estudo foi contratado pela pasta em abril, ainda na gestão do ex-ministro Luiz Henrique Mandetta. A previsão era de três etapas, a um custo de R$ 12 milhões.

No início de julho, o ministério convocou uma coletiva de imprensa para anunciar os dados.

A pesquisa foi descrita pela pasta à época como “o maior estudo da Covid-19 no Brasil”.

Desde então, o reitor diz que não recebeu mais nenhum contato sobre a possibilidade de renovação.

“A pesquisa foi realizada e contratada primeiro por três fases, que foram concluídas. O que aconteceu é que não foram contratadas novas fases, e precisava de pelo menos mais umas três para seguir acompanhando a velocidade de expansão do vírus”, diz Hallal.

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Para ele, o tempo de continuação do estudo poderia ser discutido. “O que não dá é parar a pesquisa no meio da pandemia”, afirma ele, que diz ter negociações agora com outros possíveis financiadores.

Ao todo, o estudo testou e entrevistou 89.397 pessoas em três etapas de coleta de dados, a primeira delas em maio e a mais recente entre os dias 21 e 24 de junho, em 133 cidades de todos os estados do país.

Entre as pessoas examinadas, 2.064 tinham anticorpos, o que indica que foram infectadas pelo coronavírus. Dentre os infectados, os sintomas relatados com mais frequência foram alterações em olfato e paladar (62,9%) e dor de cabeça (62,2%).

Ao longo das três fases, a pesquisa também mostrou que o número de infectados pelo novo coronavírus em diferentes municípios poderia ser até sete vezes maior do que o registrado em estatísticas oficiais.

Por outro lado, indicou que o país ainda estaria longe de uma imunidade coletiva –situação que vai na contramão do defendido pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que tem repetido nos últimos meses o discurso de que 70% dos brasileiros devem pegar a Covid como forma de se contrapor a medidas de isolamento.

Em nota, o ministério afirmou que “dará continuidade a estudos de inquérito epidemiológico de prevalência de soropositividade na população”, mas não diz quais.

“Ainda não está definido se será a continuação do Epicovid-BR, pela Ufpel ou por outra instituição, ou Pnad-Covid, pelo IBGE”, aponta o ministério, que diz ainda que uma das alternativas em estudo é “usar ambas as estratégias”.

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Embora afirmem que uma renovação ainda está em análise, internamente membros da pasta se queixam de não terem sido informados dos primeiros dados do estudo, divulgados na imprensa, e fazem críticas ao modelo.

A avaliação é que, apesar de envolver um alto número de cidades, a pesquisa dificulta uma análise nacional –o que os pesquisadores negam.

Na última semana, a pasta fez uma reunião com o IBGE sobre o tema. Não houve encontros com a Ufpel.

Em entrevista na terça-feira (21) em Porto Alegre, o ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello, afirmou que a pesquisa, chamada de Epicovid, “era boa, mas muito regionalizada”.

“A pesquisa estava muito boa, mas estava com dificuldade de a gente ter uma posição nacional”, disse.

“Para efeito de Brasil, a gente teria que mudar alguns focos do que foi contratado pela universidade. Estamos discutindo isso. Fica muito regionalizada a pesquisa desta forma e tivemos dificuldades para transferir, para fazer uma triangulação das ideias para efeito de Brasil como um todo”, afirmou.
Hallal contesta.

“Acho difícil dizer que não é nacional. A pesquisa vai de Oiapoque a Pelotas, e depois de Cruzeiro do Sul até João Pessoa. São 133 cidades em todos os estados do país. Isso representa um terço da população brasileira. Não fazemos extrapolação estatística, mas podemos com isso ter, sim, estimativas [para o país].”

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Ele questiona a falta de respostas.

“Desde que fizemos a coletiva [sobre os dados], não tocaram mais no assunto, e já daria tempo de terem decidido”, diz. “Não vemos comunicação. Poderiam ter ligado, dizendo que ‘olha, saiu isso na mídia [de que não vai renovar], mas ainda estamos estudando’. Mas isso não acontece.”

“Se não quiserem fazer com a Ufpel, por qualquer motivo que seja, eles têm o direito. Podem fazer com quem quiser, mas não podem parar a pesquisa. A epidemia está aí, e não dá para esperar.”

Epidemiologista, o reitor da Ufpel tem feito críticas nos últimos meses a atrasos na política de testagem. Ele também defende maior rigor no isolamento social.

“Só há duas coisas que funcionaram até hoje no mundo para cessar a transmissão. A primeira é testar todo mundo e rastrear contatos, que foi o que a Coreia do Sul e outros países fizeram, e isso não para contar casos, mas para impedir disseminação do vírus. A outra estratégia é o lockdown, e o Brasil tem ido na contramão disso.”

Questionado sobre o risco de interrupção do estudo, o ministério diz que “as três primeiras etapas que haviam sido contratadas foram executadas”, e que entende que “a pesquisa foi concluída”.

Em coletiva na terça, logo após informar que a pesquisa era muito regionalizada, Pazuello defendeu que “o Brasil é muito heterogêneo”.

“Precisaríamos de pesquisas individualizadas em cada região. É o que estamos avaliando”, afirmou, sem detalhes.

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