SUSANA TERAO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Logo no início do longa “Contágio”, as ações da personagem Beth Emhoff, papel de Gwyneth Paltrow, são acompanhadas com atenção pelo espectador. Tudo o que ela toca e suas relações são enfatizadas com um zoom.

Em seguida, ela começa a se sentir mal, tem convulsões e é levada para o hospital onde morre rapidamente. No decorrer da trama, a propagação do vírus pelo mundo preocupa autoridades e cientistas e é acompanhada pelo caos social, nos relacionamentos, econômico e político.

O filme dirigido por Steven Soderbergh foi lançado em 2011, inspirado no surto de Sars de 2002, mas retrata uma realidade que lembra muito o cenário de 2020, com a pandemia do coronavírus.

A psicanalista Miriam Malzyner, que participou do Ciclo de Cinema e Psicanálise promovido a distância pela Sociedade Brasileira de Psicanálise nesta terça-feira (12), afirma que, como no filme, “uma sombra da morte tem rondado as nossas vidas”.

Segundo ela, o filme mostra que esta era uma pandemia anunciada. “Mesmo assim, não estávamos preparados. Eu nem sei se a gente poderia estar. Falta investimento nas áreas de pesquisa.”

O infectologista Jean Carlo Gorinchteyn, do Hospital Albert Einstein e do Instituto de Infectologia Emilio Ribas, também ressalta a questão do medo diante de um inimigo invisível, o vírus. “Qualquer coisa, até um presentinho, um bombom, pode ser um objeto contaminado.”

Segundo a psicanalista Luciana Saddi, que mediou o debate, mesmo com um elenco composto por atores famosos, o verdadeiro protagonista do filme é o vírus. “Temos no filme personagens que vão atuar junto com ele -o medo, o pânico e a falta de informação.” Malzyner concorda com Saddi quanto ao vilão que surge como uma ameaça que “vai interromper o ritmo natural das relações humanas”.

Outro ponto levantado pelos debatedores foram os números presentes no filme. As cenas são divididas pelos dias, as cidades são apresentadas com números de habitantes, infectados e mortes. Trazendo para a realidade atual, a conclusão é a de que, para algumas pessoas, as estatísticas não transmitem nada mais do que a impessoalidade. “Não são só números, são histórias e laços. É um ser humano que se apaga frente à doença”, diz Gorinchteyn.

“Precisamos ver a morte nua e crua no início do filme para que ela deixe de ser uma distração estatística e adquira essa concretude. A alegria da moça é seguida pela frieza da convulsão e do cadáver dissecado em prol da investigação científica”, exemplifica Malzyner.

Para Gorinchteyn, a negação de parte da população em relação aos dados funciona como forma de proteção. “A incerteza é enorme. Médicos e autoridades pedem para as pessoas ficarem em casa. Mas depois elas poderão sair com segurança? É terrível, mas não dá para garantir que sim.”

Diante das novas dificuldades que a crise traz, Malzyner acrescenta que tem lidado com sintomas de clientes que, em outros tempos, seriam exclusivos de patologias, como perseguição, mania de limpeza, fobia social e sinais hipocondríacos. “Eu não consigo rotular esses sintomas hoje na categoria de doença, acho que a aproximação empática nos coloca em outra perspectiva.”

O debate contabilizou 300 pessoas ao longo da transmissão e pode ser conferido na íntegra pelo canal do MIS, o Museu da Imagem e do Som, no YouTube.

O próximo debate do Ciclo de Cinema e Psicanálise será sobre o filme “Eu, Daniel Blake”, no dia 26 de maio, às 20h, e será transmitido também pelo canal do MIS.

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