LUCAS ALONSO
RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – O Vaticano divulgou nesta terça-feira (1º) a revisão mais abrangente das leis da Igreja Católica nos últimos 40 anos, endurecendo as regras contra clérigos que abusam sexualmente de menores ou de adultos vulneráveis, que usem suas posições de autoridade para forçar atos sexuais e que ordenem mulheres a cargos eclesiásticos.

A revisão, que estava em andamento desde 2009 a pedido do papa emérito Bento 16, envolve toda a Seção 6 do Código de Direito Canônico da Igreja, um conjunto de sete livros com cerca de 1.750 artigos que estabelece diretrizes e punições para os violadores das regras.

As mudanças, assinadas pelo papa Francisco, configuram a maior revisão desde que o Código atual foi aprovado pelo papa João Paulo 2º (1920-2005), em 1983, e devem entrar em vigor em dezembro. Em um comunicado que acompanha a publicação, o pontífice disse que as normas precisam estar em correlação permanente com “as mudanças sociais e com as novas demandas que surgem do povo de Deus”.

Segundo o líder católico, a revisão teve como objetivo o favorecimento da unidade da Igreja na aplicação de penalidades, “especialmente no que diz respeito aos crimes que causam maiores danos e escândalos na comunidade”. As mudanças, portanto, de acordo com o papa argentino, servirão para “reduzir os casos em que a aplicação de sanções fica a critério das autoridades”.

“Era preciso modificá-lo [o Código] de modo a permitir aos pastores seu uso como instrumento ágil, saudável e corretivo, e que pudesse ser utilizado no tempo e com o cuidado pastoral para prevenir males maiores e sarar as feridas causadas pela fraqueza humana”, disse o pontífice.

Para Francisco, a falta de compreensão da relação íntima entre o exercício da caridade e o cumprimento da disciplina punitiva pode produzir condescendência com a má conduta dos clérigos. “Esta atitude acarreta frequentemente o risco de que, com o passar do tempo, tais modos de vida se cristalizem, tornando mais difícil a correção e, em muitos casos, agravando o escândalo e a confusão entre os fiéis.”

Filippo Iannone, chefe do departamento do Vaticano que supervisionou o projeto, disse que havia “um clima de excessiva folga na interpretação da lei penal”. Agora, o novo texto, envolvendo cerca de 80 artigos sobre crimes e punições, incorpora algumas mudanças feitas na lei da Igreja em 1983 e introduz novas categorias.

O abuso sexual de menores, por exemplo, foi colocado em uma nova seção intitulada “Ofensas contra a vida humana, dignidade e liberdade”, que substitui a versão anterior, mais vaga, chamada “Crimes contra obrigações especiais”.

O Código prevê suspensão e/ou destituição do cargo clerical a quem cometer ofensa contra o sexto mandamento do Decálogo, que prega castidade nas palavras e nas obras, com um menor de idade ou com pessoa “habitualmente imperfeita no uso da razão”.

A mesma punição se aplica ao clérigo que aliciar menores e vulneráveis para induzi-los “a se exporem pornograficamente” e ao que “adquirir, reter, exibir ou distribuir” imagens pornográficas por meio de qualquer tecnologia.

No ano passado, um relatório interno concluiu que o ex-cardeal Theodore McCarrick abusou de sua autoridade para forçar seminaristas a dormirem com ele. Ele foi destituído em 2019 sob a acusação de abuso sexual. Segundo o documento, João Paulo 2º sabia das acusações contra McCarrick antes de promovê-lo à posição de arcebisbo de Washington, nos Estados Unidos, em 2000.

De acordo com a nova versão da lei católica, estão sujeitos a excomunhão automática ministros católicos que ordenarem mulheres para posições na Igreja, assim como as próprias mulheres que receberem a ordenação não aceita pelo Vaticano.
Kate McElwee, diretora-executiva da Conferência de Ordenação de Mulheres, disse em um comunicado que embora a posição da Igreja não seja surpreendente -a limitação às mulheres é histórica, e a versão do código de 1983 reservava a ordenação a “um homem batizado”-, explicá-la no novo texto era “um doloroso lembrete da máquina patriarcal do Vaticano e suas tentativas de subordinar as mulheres”.

A seção ainda prevê punição para quem deliberadamente administrar sacramento a quem está proibido de recebê-lo. A regra pode ser aplicada, por exemplo, a clérigos que celebrarem o casamento -um dos sete sacramentos católicos- de pessoas do mesmo sexo.

Em março, a Congregação para a Doutrina da Fé (CDF), um dos órgãos responsáveis por estabelecer diretrizes da Igreja, anunciou que padres e outros ministros não podem abençoar a união homossexual e que tais bênçãos não serão consideradas lícitas se forem realizadas.

“Não é lícito dar bênção a relacionamentos, ou a parcerias estáveis, que envolvam atividade sexual fora do casamento (ou seja, fora da união indissolúvel de um homem e uma mulher, aberta em si mesma à transmissão da vida), como é o caso das uniões entre pessoas do mesmo sexo”, disse a CDF, em resposta a perguntas enviadas por algumas paróquias que expressaram o desejo de conceder tais bênçãos como um sinal de boas-vindas aos católicos LGBT.

Refletindo uma série de escândalos financeiros que atingiram a Igreja nas últimas décadas, o novo código também prevê vários crimes econômicos, como desvio de fundos ou propriedades da Igreja ou negligência grave em sua administração.

Em dezembro, o papa Francisco emitiu um decreto para tornar os fundos de caridade mais transparentes e apertar o controle sobre as finanças do Vaticano. Uma das principais mudanças se deu na gestão do Óbolo de São Pedro, um fundo para o qual fiéis do mundo todo podem contribuir com doações e, segundo a tradição católica, tem o objetivo de ajudar o papa a administrar a Igreja e financiar suas instituições de caridade.

Nos últimos anos, entretanto, o fundo foi usado pelo Vaticano para cobrir déficits orçamentários e teve sua reputação afetada pela suspeita de que as doações podem ter sido utilizadas em investimentos questionáveis.

 

Foto do destaque: Reprodução

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