O Concílio Vaticano Segundo, (1962-1965), considerado “o evento pentecostal do século 20” e “o catecismo do século 21”, com os seus 16 documentos, renovou profundamente a vida da Igreja: promoveu uma prática de fé consciente e participante. Em 1968, em Medellín (Colômbia), foi celebrada a 2ª Conferência do Episcopado Latino-Americano para a vivência do Concílio na vida das nossas comunidades de fé.

Pano de fundo desta Conferência foi a encíclica do Papa Paulo 6º “Populorum Progressio” (o desenvolvimento dos povos), publicada um ano antes, que  realçava a necessidade de diminuir as desigualdades sociais no mundo, mediante a luta pela justiça, luta que exige transformações estruturais na vida social e política dos povos. Esta nova postura da Igreja gerou conflitos com os regimes militares e autoritários, que apoiavam o sistema neoliberal, as corporações financeiras e as grandes fortunas e os privilégios, reservados a poucos.

Esta “ruptura ofereceu à Igreja latino-americana uma oportunidade histórica: recuperar a sua identidade de povo de Deus e realçar a sua missão específica: estar ao lado das classes oprimidas e marginalizadas da nossa sociedade. A 3ª Conferência do Episcopado, celebrada em Puebla, México, (1979), acentuou o caminho iniciado por Medellín, fazendo uma clara “opção preferencial pelos pobres”.

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Não poucos foram os bispos que assumiram atitudes proféticas de anúncio e de denúncia: o mais famoso de todos foi Dom Helder Câmara, que, no fim do Concílio, inspirou “O Pacto das Catacumbas”: 40 bispos, reunidos na catacumba romana de São Calixto,  se comprometeram a abandonar todos os sinais de riqueza e ostentação e assumir um novo estilo de vida, simples e humilde, semelhante ao do povo.

Uma trágica página de martírio foi escrita neste período: pessoas pacíficas, sem algum envolvimento com a luta armada, foram presas, torturadas e mortas: Vladmir Herzog (jornalista em São Paulo, morto na prisão em 1975), Santo Dias (líder operário, morto em 1979), Franz de Castro Holzwarth, advogado, militante da Pastoral Carcerária, assassinado em 1981; Margarida Alves, agricultora, presidente do sindicado (morta em 1983); o índio Bororo, Simão, (morto em 1986); Chico Mendes (defensor dos seringueiros do Acre (morto em 1988). As vítimas de chacinas por causa da justiça, no Brasil e em toda América Latina, somaram a mais de 50.000.

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Sem número foram, também, os religiosos que tombaram na luta pelos direitos humanos e pela afirmação do Estado democrático no Brasil: Pe Antônio Henrique Pereira Neto (1969), jovem secretário de Dom Helder, torturado e assassinado aos 28 anos; o dominicano frei Tito de Alencar (1968); os padres Rodolfo Lukenbein, salesiano, e João Bosco Penido Burnier, jesuíta, (1976); pe Ezequiel Ramin, comboniano, assassinado em Cacoal – Rondônia – em 1985, com 32 anos de idade;  Josimo Morais Tavares (1986) e Gabriel Maire (1989) do clero secular e as irmãs, Dorothy Stang e Cleusa Carolina Rody Coelho, esta última,  vítima de indizível crueldade, em 1985; Dom Oscar Romero, arcebispo de El Salvador, assassinado em 1980, enquanto celebrava a Santa Missa.  O sangue destes mártires é a prova mais luminosa do engajamento das comunidades cristãs na construção de um mundo mais justo, livre e fraterno.

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(*Padre Ernesto Ascione é missionário comboniano e vigário cooperador da paróquia São José, Serra-ES.)

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