Há quem tenha vocação de médico, professor, lavrador: a palavra “vocação” pode ser atribuído, também, a estes que exercem estas profissões, mas, no sentido amplo, pois a tarefa, que eles exercem tem por finalidade servir a sociedade em alguma de suas necessidades. A vocação à vida cristã, ao invés, brota de uma escuta interior, de um apelo, que dá sentido e valor à sua vida inteira. O homem não é o autor de sua vocação: à proposta divina, ele é chamado a dar uma resposta coerente, para a sua plena realização humana.
Abraão, pastor de rebanho, nômade, é o protótipo dos homens “chamados”. Tendo recebido “o chamado”, passa a viver de um novo ideal: consagrar sua vida ao seu povo. Também, Moisés ouviu a voz de Deus, que o encarregava de uma tarefa libertadora, à qual ele se entregou com exemplar dedicação. Samuel, quando jovem, ouviu o chamado misterioso de Deus, que o interpelou para realizar uma tarefa, a favor de seu povo.
Lucas situa a vocação dos primeiros discípulos no quadro da atuação de Jesus à beira do lago de Genezaré. Mais do que uma crônica, o evangelista escreve um texto profético, de uma profundidade e de um significado impressionante. Para instaurar o Reinado de Deus sobre a terra, Cristo, rejeitado por Israel, decide –“depois de uma longa noite de oração”, conforme noticia Lucas, “passada sobre o monte”– formar um novo povo, o seu povo: “Constituiu Doze –diz Marcos– para estarem com ele e para enviá-los a proclamar e terem autoridade pra expulsarem os demônios”. Os vocacionados de Jesus são dois pares de irmãos: Pedro e André, Tiago e João.
A missão de Cristo continua, assim, na missão de seus discípulos: o episódio da pesca milagrosa prefigura esta continuidade. Jesus, está no centro: sentado no barco de Pedro, prega às multidões; sem Jesus, todos os esforços ficam inúteis, com Jesus, a pesca torna-se prodigiosa; é Jesus, que chama colaboradores e os envia; Pedro e os primeiros discípulos revelam a verdadeira identidade de Jesus; vários barcos participaram da pescaria prodigiosa, sinal da multidão e da variedade dos discípulos de Jesus; a fé é crer, e, também, testemunhar.
O Concilio Vaticano II e os Sínodos dos Bispos de 1987 e de 2024 afirmaram claramente: todos os cristãos são chamados ao apostolado, por ele não ser uma “concessão” da hierarquia –uma tarefa, reservada ao clero e aos religiosos– mas, competência e dever de todos quantos receberam a consagração batismal. A “colegialidade” do Concílio se transformou, na Igreja de hoje, em “sinodalidade”.
E, sinodalidade é participar ativamente ao apostolado pelos sacramentos do Batismo e do Crisma: “Remem mar adentro –disse Jesus– e lancem as redes para pescar, isto é, vão para o mundo inteiro e anunciem a Boa Nova a todos os povos”. Todo cristão, por ser “discípulo-missionário”, é chamado a anunciar, no mundo de hoje, o mundo novo, o Reino de Cristo, pois “o nosso mundo atual –diz Papa Paulo VI– necessita de um suplemento de alma e de uma revitalização da fé”.
____
(*Padre Ernesto Ascione é missionário comboniano.)
Foto: TC Digital